Gazeta Mercantil/Caderno A
03/12/2007
Banco Central (BC) anunciou, em tom de comemoração, que o superávit acumulado entre janeiro e outubro deste ano alcançou R$ 105,5 bilhões, 5,12% do PIB. É um número 17,1% superior ao obtido no mesmo período de 2006. Em outras palavras, a economia feita pelo governo (nas três instâncias, mais as estatais), para pagar os juros da dívida, já são bem superiores à meta fixada para o ano, que é de R$ 95,6 bilhões, ou 3,8% do PIB. Há, desse modo, uma sobra reconhecida de R$ 10,6 bilhões.
É fato que a comemoração desse superávit exige certa cautela. Esse resultado foi obtido pela arrecadação recorde nesse período, em especial no próprio mês de outubro, quando se arrecadou a maior quantia para o mês, na série histórica iniciada em 1991. Por outro lado, vale também notar que essa folga orçamentária pode ser consumida já em dezembro com o pagamento da segunda parcela do 13 salário do funcionalismo e dos aposentados.
Apesar dessas despesas, a estimativa do BC é que a meta do superávit será mantida e até superada. Segundo o Departamento Econômico do BC, as contas públicas permitirão, neste ano, superávit de 4%. Porém, antes da comemoração destas estimativas, esse resultado não considera os gastos com juros da dívida interna.
Quando essa despesa é contabilizada, o que significa gastos de R$ 135,2 bilhões, o superávit se transforma em déficit de R$ 28,6 bilhões. É preciso observar, no entanto, a origem do superávit primário. Segundo os dados do BC, a receita do governo entre janeiro e outubro ficou R$ 53,4 bilhões maior que no mesmo período de 2006. Só o Imposto de Renda da pessoa jurídica e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido abocanharam R$ 14 bilhões a mais do que no ano passado. O aquecimento da economia permitiu uma salto na arrecadação de outros R$ 9 bilhões. Os postos abertos no mercado de trabalho formal não contiveram só o déficit da Previdência Social, mas contribuíram com outros R$ 5 bilhões para o aumento da arrecadação.
Sem esquecer que nos estados o superávit primário é alto, porque essa é a tradição ao final do primeiro ano de administração, quando todos os governadores estão fazendo caixa para pôr em prática seus projetos e obras entre o segundo e terceiro ano de governo. Os gastos públicos, porém, não arrefeceram. Entre os dez primeiros meses de 2007 e o mesmo período de 2006, o governo central gastou exatos R$ 40 bilhões a mais, ou seja, a mesma quantia que o governo garante que perderá com o fim da CPMF.
Só com o aumento da folha de pagamento dos servidores federais foram gastos R$ 10,1 bilhões nessa mesma comparação. Os dados do BC indicam que nos dez primeiros meses do ano as receitas cresceram 12,6% em relação ao ano passado, mas as despesas saltaram 12,4% na mesma comparação. O problema é que a preocupação aumenta quando se observa o item investimentos (em especial em infra-estrutura) nesse perfil de gastos. Observando os números absolutos do BC, as despesas com investimentos foram as que mais cresceram atingindo R$ 14,3 bilhões neste ano, quando foram de R$ 11,2 bilhões em 2006. Porém, desse total de gastos, 61,4% foram destinados a "restos a pagar", isto é, obras que foram feitas em anos anteriores e que só foram pagas neste ano com o excesso de caixa.
Quando se faz este desconto no volume de investimentos feitos nos dez primeiros meses de 2007, acaba reduzido a R$ 5,1 bilhões. Nesse processo chama atenção os gastos com o Projeto Piloto de Investimentos (PPI), que nos dez primeiros meses do ano totalizaram R$ 3,2 bilhões, quando a Lei de Diretrizes Orçamentárias determinava que fossem de R$ 11,2 bilhões. O PPI é aquele programa cujos gastos são contabilizados como investimentos e não como despesas, incidindo sobre o déficit público.
Não há dúvida de que esses gastos no PPI são quase 35% maiores do que os de 2006 no mesmo período; porém, frente a tantas expectativas com gastos em infra-estrutura, inclusive no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), obviamente, o governo está alocando poucos recursos em investimentos, menos de um terço do que gastou com os aumentos do funcionalismo de janeiro a outubro deste ano. A mera observação, em termos gerais, das contas públicas sugere que o governo sobrevive perfeitamente sem a CPMF, em especial se decidisse realmente conter seus gastos menos prioritários.
O impacto da perda da CPMF só seria relevante se o governo decidisse reduzir a base do superávit, o que afetaria a relação dívida/PIB, uma espécie de menina-dos-olhos dos investidores, porque é uma das principais medidas da disciplina fiscal do País. Nos próximos dias o Senado dará a palavra final na cobrança da CPMF. Os dados do BC sobre o superávit representam boa indicação de que acabar com a contribuição provisória é, de fato, o melhor caminho.