sexta-feira, 14 de março de 2008

Mercado brasileiro se distancia de vizinhos sul-americanos

BBC Brasil

14/03/2008

Apesar do discurso de integração comercial, nos últimos dez anos os exportadores dos demais países sul-americanos vêm perdendo participação no mercado brasileiro --o maior do continente.
As importações brasileiras dos países da América do Sul como um todo caíram de 19,8% do total em 1997 para 15,4% no ano passado.

As vendas brasileiras para países dentro e fora do Mercosul estão indo no sentido oposto, em alguns casos dando saltos de dois dígitos.

O desequilíbrio provoca críticas dos parceiros comerciais na região, que acusam o Brasil de excesso de protecionismo. Mas economistas brasileiros ouvidos pela BBC Brasil atribuem o fenômeno à falta de competitividade das economias da região.

"Barreiras"

Ecoando reclamações de exportadores de países vizinhos, o presidente da Associação de Exportadores Peruanos, José Luís Silva Martinot, diz que o Brasil é um país fechado, que muitas vezes dificulta a entrada de produtos da região.

"[Às vezes] barreiras técnicas ou leis estaduais fazem com que seja quase impossível comercializar com o Brasil", afirma ele.

O desequilíbrio em favor do Brasil e a queda relativa das importações dos vizinhos se acentuaram a partir de 2003, justamente quando ganhou novo impulso o discurso do governo brasileiro pela integração sul-americana.

Em 2002, as exportações e importações brasileiras na região estavam quase equilibradas, com exportações de US$ 7,5 bilhões contra importações de US$ 7,6 bilhões.

No ano passado, as exportações haviam quadruplicado, para US$ 31,9 bilhões, enquanto as importações cresceram uma vez e meia, para US$ 18,5 bilhões. Ou seja, o superávit brasileiro pulou para US$ 13,3 bilhões.

Com essas mudanças nos números, não é de estranhar que as reclamações se acumulem.

Argentina

"Há muitas coisas que podem melhorar [na relação comercial]", diz Eduardo Sigal, subsecretário argentino de integração econômica para as Américas e o Mercosul.

"(Ainda) há travas legislativas, constitucionais e burocráticas que dificultam que o comércio seja maior."

A Argentina é um dos países que viram umas das maiores viradas na balança. Em 1997, tinha um superávit de mais de US$ 1,1 bilhão com o Brasil. Em 2007, teve um déficit de mais de US$ 4 bilhões.

De maneira geral, o Brasil passou a comprar mais de outras partes do mundo e a vender mais para os vizinhos.

Olhados em conjunto, os países sul-americanos receberam em 1990 o equivalente a 8,5% de todas as exportações brasileiras. No ano passado, foram o destino de 19,9% das vendas das empresas brasileiras para o exterior.

A participação da região nas exportações já foi maior --chegou a 24,2% em 1997-- mas caiu no início desta década até chegar a 12,4% em 2002, após a crise que atingiu mercados importantes, como Argentina e Venezuela.

O analista do Ministério do Planejamento Leandro Freitas Couto, que analisou os dados de comércio de todos os países, destaca que entre 1990 e 2004 aumentou o comércio --tanto importações quando exportações --entre todos os países sul-americanos.

A exceção foi o Brasil e o Uruguai, que passou a exportar mais para fora da região neste período.
"A estrutura produtiva é o maior entrave a uma integração maior", afirma Couto.

Competitividade

Um levantamento do economista Chau Kuo Hue, consultor da LCA Consultores, mostra que o comércio na região cresceu com o aumento da concentração entre os quatro maiores da região --Brasil, Argentina, Chile e Venezuela.

Em 1990, as vendas para estes três países representavam 51,5% da exportação brasileira para a região. No ano passado, a participação de Argentina, Chile e Venezuela nas exportações brasileiras passou para 73,8%.

"Isso mostra não uma integração maior entre todos os países, mas uma concentração do comércio entre os grandes", diz Hue, para quem isso é sinal da falta de complementaridade entre os países da região de um modo geral.

O economista Carlos Langoni, diretor do Centro de Economia Mundial da FGV do Rio de Janeiro, acha que esta situação não vai mudar e que a assimetria pode até aumentar.

"Ela reflete basicamente a diferença de estrutura econômica do Brasil em relação à maioria dos países da região", afirma.

Ele diz que o atual momento, com o real valorizado, seria o ideal para aumentar as importações dos países da região, que também entram no Brasil com tarifas baixas.

"Se com essas condições não for possível mudar o perfil das importações brasileiras na região, eu acho difícil que isso aconteça depois", afirmou.

Para Carlos Langoni "é bom lembrar que a economia brasileira é liderada pelo setor privado (). E o setor privado compra de onde for mais barato, onde for mais eficiente, onde tiver mais controle tecnológico".

O cientista político Amaury de Souza, sócio das consultorias MCM Consultores Associados e Techne Informática e Recursos Humanos, também acha que o limite está justamente na diferença de tamanho e diversidade dessas economias.

"Nós produzimos de tudo. E temos que ver o que eles têm a nos oferecer", diz ele.

Um maior equilíbrio, afirma, pode vir no futuro, quando as empresas brasileiras que estão se estabelecendo no exterior aumentarem a integração produtiva e o comércio intrafirmas, exportando para o Brasil a partir dos países vizinhos.

Busca de equilíbrio

Em diferentes países há o reconhecimento de que o Brasil não pode ser completamente responsabilizado pela situação e que muitos países precisam sofisticar a sua oferta para entrar no mercado brasileiro.

"Do ponto de vista da Venezuela essa relação está sendo menos aproveitada [do que pelo Brasil]", diz Nelson Quijadas, presidente da Câmara de Comércio Venezuela-Brasil.

"Nós deveríamos aproveitar a possibilidade de transferência de tecnologia do Brasil para cá."

O governo brasileiro reconhece que o desequilíbrio comercial é um problema para a integração regional e diz estar tentando tomar medidas para mudar o rumo.

"Há um esforço brasileiro para buscar o equilíbrio, mas o comércio não é um jogo de soma zero", afirma o secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Welber Barral.

Ele diz que foram criadas comissões para monitorar o comércio e discutir a eliminação de barreiras que dificultam as importações dos vizinhos.

"A maior parte dos setores ainda tem um enorme potencial de substituição de importações competitivas e de integração da cadeia", diz o secretário.

*Com reportagem de Andrea Wellbaum (Argentina e Uruguai), Denize Bacoccina (Brasília) e Márcia Freitas (Peru)

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