quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Pólos de rua voltam à mira do varejo

Gazeta Mercantil / Regiane de Oliveira e Valéria Serpa Leite
17/09/2008
O aumento do poder de consumo da classe C, somado a uma leva de famílias que ascenderam da classe D, tem trazido de volta ao radar das redes varejistas o mais tradicional local de comércio: a rua. Paralelamente à expansão do setor de shoppings, vários pólos de comércio de rua resurgem como opção para redes que querem diversificar os negócios, reduzir custos e fugir da acirrada competição por bons espaços em shoppings.
Dados do Centro de Excelência em Varejo da Fundação Getulio Vargas (GVCev), apontam que em São Paulo, maior centro consumidor do País, 32 shoppings disputam com 100 pólos de ruas comerciais a atenção dos varejistas e também dos consumidores. Disputam porque o modelo de shoppings só para a classe alta e o modelo de lojas de rua para classe baixa também está mudando. Ainda é fato que os principais centros comerciais pesquisados encontram-se em áreas de maior poder aquisitivo. "Várias regiões de periferia têm nichos de consumo de maior poder aquisitivo", afirma Juracy Parente, professor da FGV, no evento "Pólos comerciais de rua: sua importância para o varejo e sociedade", que aconteceu na última semana em São Paulo. No entanto, ele afirma que o perfil da cidade é de consumo predominantemente de baixa renda. "70% da população têm renda inferior a R$ 2,5 mil e representam 35% do consumo", explica, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ajustados para 2007.
Para alguns segmentos, a importância desse público é muito maior. "No varejo de alimentos, 55,7% do potencial de consumo está entre os consumidores com renda familiar até R$ 2,5 mil", afirma Parente. Outros segmentos também têm destaque no consumo dessas famílias: Gás doméstico (71,8%), eletrodomésticos (52,8%), remédios (53,9%) e vestuário (50%).
No segmento de franquias, a migração de empresas de food service para a rua já poderá ser observada nos próximos anos de acordo com Enzo Donna, diretor da ECD - Consultoria Especializada em Food Service. Estudo realizado pela empresa mostra que por conta de custos de ocupação de shopping centers as redes devem priorizar a abertura de lojas de ruas.
Em 2006, segundo dados da pesquisa, 56,8% das lojas do segmento estavam localizadas em shopping centers e 33,4%, em ruas. No ano passado, os números passaram para 51,8% e 39%, respectivamente. A tendência, segundo o estudo, é de inversão até que em 2010, 39% das lojas franqueadas estejam localizadas em shopping centers e 55,6% em ruas. "E aí poderemos observar o desenvolvimento de corredores gastronômicos", prevê Donna.
Segundo o executivo, já é possível observar esse movimento em países como Chile, por exemplo, e seria a saída das franquias localizadas no Brasil para fugir dos custos de ocupação. "Os custos de shoppings são mais altos, o que pode iniciar a ida das redes aos empreendimentos", diz o diretor-executivo da Associação Brasileira de Franchising (ABF), Ricardo Camargo.
De acordo com o estudo da consultoria, enquanto o gasto médio com ocupação em shopping é de 7,54% sobre o faturamento, em ruas o custo cai para 7,13%.
Algumas franquias como Giraffas e Habibs, por exemplo, já dão preferência às lojas de rua. Primeiro por conta dos tamanhos das lojas, em geral maiores que a média de uma unidade de shopping center, e, conseqüentemente, por conta de custos.
Luvas, 13.º aluguel, fundo de promoção acabam elevando os custos de ocupação em shopping centers, segundo empresários. Por outro lado, na rua é preciso investir em segurança, nada muito elevado, mas um gasto que deve ser colocado na conta, segundo o gerente de operações e expansão da rede Bon Grillê, George Alexandre.
A franquia de grelhados, que possui 53 lojas, inaugurou no mês passado sua primeira unidade de rua. "Estávamos buscando alternativas aos shoppings por falta de espaço", diz.
Esse potencial atraiu também a franquia de vestuários Hering. Tradicionalmente voltada para a classe A/B, a rede está investindo para alavancar as vendas na classe C, com foco na abertura de lojas de rua. A estratégia é fruto de um forte processo de reposicionamento da marca, iniciado em 2007. Marcelo Tavares D''Amaral, diretor da Hering, explica que as mudanças atingiram também os produtos que passaram a ter uma apelo de moda - , o projeto arquitetônico das lojas e as ações de marketing da empresa. Mas foi o reposicionamento de preço que favoreceu a expansão na rua.
"Já temos 10 mil clientes de lojas multimarcas, 99% em pólos de rua como a (Rua) ''25 de Março'' em São Paulo", afirma. Do total de 47 franquias da marca, 21 são lojas de rua. "Nossa expansão até 2011 é 35% baseada na abertura de pontos em ruas comerciais", diz.
Para a Hering, as principais vantagens são o custo de operação mais baixo, o menor custo da mão-de-obra e o investimento reduzido para aquisição de pontos comerciais. D''Amaral destaca, porém, que essas lojas tem performance de vendas mais tímidas que alguns pontos em shoppings, por sofrerem influências climáticas e também de problemas de segurança. "Nossos franqueados de rua têm que ter, inclusive, seguro de estoque e contratar uma empresa de monitoria", diz o executivo. Apesar disso, a rede está satisfeita com o negócio de rua. "Só não vamos abrir mais nas ruas porque temos um forte crescimento no setor de shoppings", afirma.
O País tem hoje, segundo dados da Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce), 367 shoppings. Neste ano, mais 16 estão em construção, mesmo número previsto para serem abertos em 2009.
Essa movimentação fez com que empresas tradicionalmente voltadas para o comércio de rua, começassem sua expansão em shoppings, como a rede de vestuário Lojas Marisa.
Aberta em 1948, na época para a comercialização de bolsas, a rede inaugurou sua primeira unidade em shoppings em 1991, no Shopping Continental em Osasco. Mas foi com a estratégia de rejuvenescimento da marca, traçada em 2001, que a empresa acelerou sua expansão em centros de compras. "Nesta época, descobrimos que o público da empresa eram mulheres de aproximadamente 45 anos das classes D e E. Nosso plano foi rejuvenescer a marca para um público entre 20 e 30 anos, expandindo nossa atuação para a classe C", afirma o diretor de vendas da empresa, José Luiz da Silva Cunha. A entrada em shoppings ajudou neste processo. Hoje, a empresa conta com 111 lojas de rua e 97 em shoppings.
Cunha explica que os custos de operação são muito semelhantes. No caso da Marisa, o shopping leva ligeira vantagem em valor de aluguel, por exemplo. "Isso porque na rua ainda estamos sujeitos a vontade dos donos dos imóveis", afirma o executivo. Já nos shoppings, a loja é considerada âncora, o que garante vantagens de negociação à rede. As lojas de rua também são mais onerosas no quesito perdas por furtos, principalmente. "Mas nos shoppings temos uma perda maior em crédito, já que a maioria das lojas ainda são recente e temos que conquistar os clientes." Apesar de o tíquete médio de vendas também ser maior em shoppings, a venda por metro quadrado é maior nas lojas de rua. Por isso, afirma Cunha, "ninguém verá Lojas Marisa no MorumbiShopping (SP), Shopping Barra (RJ) ou Shopping Iguatemi (SP), o nosso foco é o cliente classe C."
Outro exemplo da força dos shoppings é a expansão da rede norte-americana Burger King. Tradicionalmente uma rede de loja de rua nos Estados Unidos, desde sua entrada no Brasil, em novembro de 2004, foi flexível em aceitar que no País prevaleçam as unidades em shoppings centers. Das 56 unidades da rede no Brasil, 50 estão em shoppings e seis são restaurantes de rua.

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