terça-feira, 14 de outubro de 2008

Pode faltar folga para superávit fiscal menor

Valor Econômico
14/10/2008
A idéia do governo de reduzir o superávit primário de 4,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2008 para 3,8% no próximo ano e investir a diferença em infra-estrutura pode não ser viável ou não ser suficiente para compensar queda de demanda geral ou redução de investimento do setor privado. É o que consideram economistas ouvidos pelo Valor.
Para o economista Fernando Fenolio, do Unibanco, o governo pode não ter a folga imaginada para investir. "No próximo ano deverá haver um nível de despesa alto porque há um comprometimento do governo com reajustes salariais polpudos aos servidores, além do aumento no salário mínimo", lembra. Além disso, diz, deverá acontecer uma frustração nas receitas. "Mesmo que o orçamento para 2009 tenha sido conservador, provavelmente será necessária uma revisão das receitas, em razão da desaceleração da economia."
Com despesas altas e receitas menores, acredita Fenolio, o governo terá naturalmente um superávit de 3,6%. "A diferença de 0,2% para os 3,8% de superávit imaginados pode ser conseguida por corte no custeio. Mas não hão haverá espaço para aumentar investimentos." Num ambiente de queda de receitas, diz, também seria difícil usar benefícios tributários como forma de estimular investimento, já que não haveria condições de uma nova renúncia fiscal. "Nessa situação mais extrema, talvez haja um empenho maior do governo para a implementação da CSS", diz Fenolio, referindo-se à Contribuição Social à Saúde, tributo que poderia substituir a extinta CPMF.
Mesmo havendo espaço para investimento maior do setor público, ele não seria suficiente para compensar os efeitos de uma grande queda da demanda doméstica, acredita Cristiano Souza, economista do Banco Real. "É interessante uma política fiscal anticíclica. Um maior investimento público pode servir como sinalização ao setor privado de que pode investir também", acredita. Mas os efeitos, pondera, seriam restritos. "O investimento público poderia contribuir para melhorar a economia, mas não será decisivo para determinar o quadro", diz.
O economista lembra que uma das grandes variáveis para a definição do quadro, e que ainda é uma incógnita, é o impacto que a crise terá na contenção do crédito, considerado como o grande motor do consumo doméstico.
"O consumo das famílias é responsável por metade do crescimento da demanda doméstica", lembra Souza. Ele calcula que o consumo das famílias representa atualmente 60% do PIB enquanto o consumo do governo, 20%. Os investimentos representam 18%. "Ou seja, os investimentos do governo não poderiam compensar os efeitos de uma queda de consumo do setor privado."
Outra variável importante e ainda indefinida, diz Souza, é a taxa cambial. "Isso pode distorcer o comércio internacional e o país pode precisar de importações para poder investir", explica, o que poderia impactar os custos dos investimentos públicos. Uma preocupação adicional do economista está na implantação dos investimentos. "Há muitos projetos em estudo, mas pouca coisa foi colocada em prática num período em que a economia estava melhor."
O economista Samuel Pessoa, da Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ), acredita que num ambiente de brutal queda de demanda faz sentido elevar os investimentos públicos e reduzir o superávit primário. Ele acredita, porém, que ainda é cedo para pensar na política fiscal a ser adotada, já que a extensão dos efeitos da crise ainda não podem ser avaliados. "Agora é o momento de atuação do Banco Central, no papel de fazer com que a crise financeira tenha o menor impacto possível na economia real."

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