sexta-feira, 27 de março de 2009

A remuneração das cias abertas

Repórter Diário – SP / Roberto Lourenço Belluzzo
27/03/2009
Está aberto para discussão, em consulta pública até o dia 30 deste mês, na Comissão de Valores Mobiliários - CVM, o tema relativo à divulgação de informações sobre a remuneração da administração de companhias abertas. O tema, polêmico, merece reflexão profunda e criteriosa, na mesma medida em que prescinde do calor da emoção, presente na atualidade. A discussão ganhou notoriedade em razão dos escândalos das distribuições de bônus em instituições financeiras no exterior, cujos resultados foram desastrosos, colocando em risco, inclusive, a própria existência dessas empresas. Parece-nos que o pagamento dos bônus, em si, no caso de tais instituições estrangeiras, consubstanciou-se em ato amoral – ou até mesmo imoral –, seja por conta dos altos valores pagos, seja por conta da situação econômico-financeira de tais companhias, e pelo risco sistêmico envolvido.
Nesse sentido, como a sociedade evolui – e, no caso do mercado financeiro e de capitais, evolui muito rapidamente – entendemos que o direito também deve evoluir para atender as novas necessidades do mercado. Nesse contexto, entendemos que a regra a ser criada pela CVM deve ser na exata medida para (i) dar maior transparência à divulgação das informações a respeito da remuneração fixa e variável dos executivos, a fim de que o investidor possa tomar a decisão de investimento em determinado valor mobiliário da companhia; e (ii) proteger a própria companhia contra atos de executivos que possam ser praticados para fins pessoais, em detrimento de uma apropriada gestão de risco e adequada governança corporativa.
Quanto à transparência, concordamos que os dados fornecidos pelas companhias abertas são hoje insuficientes para discriminar a remuneração completa dos executivos. No entanto, parece-nos que ao investidor que pretende tomar uma decisão de investimento não importa se o executivo “A” tem vencimentos substanciais sem qualquer bonificação ou se o executivo “B” possui vencimentos módicos eventualmente adicionados de bônus de relevo. Em verdade, é a remuneração global a ser paga a toda administração que é de seu interesse.
Assim, em nosso entendimento, mister se faz divulgar ao mercado, de forma detalhada, o que é remuneração fixa, quais e como são pagos eventuais bônus concedidos, bem como demais benefícios variáveis a serem suportados pela companhia (carros, motoristas e seguranças pessoais, etc.) de modo que o investidor tenha reais condições de verificar, de forma global e não individual, qual o custo anual efetivamente despendido com os seus administradores.
Parece-nos que a discriminação individual da remuneração em nada alteraria essa decisão do investidor. No entanto, isto não é tudo. Há um bem maior a ser protegido, qual seja, a própria companhia. A Lei das Sociedades por Ações (Lei 6.404/76, conforme alterada) já determina as responsabilidades de seus administradores e cria mecanismos de fiscalização interna por meio do seu Conselho Fiscal, quando instalado, e dos próprios acionistas. Assim, parece-nos que uma boa saída seria, sem prejuízo de outras alternativas, tornar o Conselho Fiscal mais atuante dentro da competência que já lhe é atribuída por Lei, detalhando-se e especificando-se as matérias que lhe cabem intervir na administração, como, por exemplo: (i) opinar, antes da contratação, sobre qualquer contrato de opções de compra de ações celebrado com administradores, bônus e demais pagamentos, diretos ou indiretos, colocados à disposição a executivos da companhia; (ii) opinar, antes do pagamento aos executivos, sobre a sua conveniência, vis-à-vis a situação financeira e patrimonial da companhia; (iii) fiscalizar se os atos praticados pelos administradores atendem a uma adequada gestão de risco e caracterizam-se como práticas seguras de governança corporativa; (iv) convocar assembléia geral de acionistas para deliberação, nos casos em que a opinião do Conselho é contrária aos bônus e demais formas de remuneração variável aos executivos e/ou quando o pagamento de tais remunerações for superior ao montante global já aprovado em assembléia geral; e, entre outras (v) divulgar, sempre que solicitadas, aos acionistas que representem o mínimo legal, todas as informações e documentos sobre a remuneração dos administradores, inclusive, se for o caso, a remuneração individual de cada um, sob compromisso de confidencialidade, exceto para as hipóteses de divulgação por exigência legal, por ordem judicial ou para discussão em assembléia geral.
Caberá aos acionistas, portanto, decidir pela instalação do Conselho Fiscal. Pautados na velha máxima popular de que “é melhor prevenir do que remediar”, acreditamos que a determinação dessas novas atribuições específicas ao Conselho Fiscal, em companhias abertas, quando devidamente instalado, reduzirá os riscos envolvidos na contratação e pagamento de bônus aos administradores e trará uma resposta efetiva ao mercado, sem a emoção com que o assunto vem sendo tratado ultimamente.

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