sexta-feira, 25 de abril de 2008

Nova lei das S.A., neutra em tributos

Gazeta Mercantil / Heron Charneski
25/04/2008
Ajuste para harmonização das normas contábeis e as apurações não poderão ser base de incidência de impostos
A publicação da Lei nº 11.638, em 27 de dezembro de 2007, alterando significativamente as seções contábeis da Lei das Sociedades por Ações (Lei nº 6.404, de 1976), vem merecendo preocupações quanto ao seu impacto tributário. Sustentamos que a referida lei é neutra, sob esse ponto de vista.
A Lei nº 11.638/07 modifica, em essência, normas e critérios para elaboração e divulgação de demonstrações contábeis das sociedades anônimas e de grande porte.
Seus objetivos passam por uma convergência das regras contábeis nacionais com padrões internacionais de contabilidade e caminham para critérios de maior segurança e previsibilidade ao investidor e ao mercado de capitais como um todo.
Embora a importância desse escopo, chamamos a atenção para um dispositivo específico da Lei nº 11.638/07, e que denominamos "mecanismo de estabilização de conflitos contábeis e tributários". Trata-se da alteração procedida no parágrafo 2º do art. 177, da Lei nº 6.404/76.
Pois esse dispositivo, em sua versão original, previa que a companhia devesse observar em registros auxiliares, sem modificação da escrituração mercantil, as disposições de lei tributária ou lei especial que prescrevessem critérios contábeis diferentes.
O uso do Livro de Apuração do Lucro Real (LALUR), por exemplo, na forma da legislação, destina-se a lançar os ajustes do lucro líquido do período de apuração, bem como a controlar valores que servirão à formação do resultado tributável de períodos subseqüentes.
Os registros auxiliares como o LALUR foram mantidos na nova redação do parágrafo 2º, do art. 177. Até aí, nenhuma novidade.
Entretanto, com base na construção de que as disposições da lei tributária ou de lei especial, conflitantes com critérios contábeis, não elidem a obrigação de elaborar demonstrações contábeis em consonância com o disposto na Lei nº 6.404/76, o inciso II do parágrafo previu a elaboração das demonstrações para fins tributários, na escrituração mercantil.
Como condição, deverão ser efetuados em seguida lançamentos contábeis adicionais que assegurem a preparação e a divulgação de demonstrações financeiras na forma societária, devendo ser essas demonstrações auditadas por auditor independente registrado na Comissão de Valores Mobiliários.
Em síntese, o mecanismo de estabilização prevê a elaboração de duas demonstrações contábeis, uma para fins tributários, outra para fins societários. Algo que, embora acrescente custos de conformidade às empresas, não é ilógico, tampouco inédito em outras jurisdições.
Assegura ainda a Lei nº 11.638/07 que os lançamentos de ajuste para harmonização das normas contábeis e as apurações com eles elaboradas não poderão ser base de incidência de impostos e contribuições nem ter quaisquer outros efeitos tributários.
A muitos, pode causar estranheza que, no regime tributário vigente, a determinação do lucro real tributável parte do lucro líquido do período de apuração. Essa regra vigora desde o Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, ou seja, expedido logo após a Lei nº 6.404, de 1976.
De lá para cá, a legislação tributária foi alterada incontáveis vezes; à revelia, em muitas delas, de princípios contábeis. A publicação da Lei nº 11.638/07, modernizando as regras contábeis, não poderia constituir um retrocesso fiscal. Ao contrário: fez aparecer, nítida, a diferença entre o que é apurado no demonstrativo de resultado (DRE), com o objetivo básico de medir desempenho, e o que é a base tributária imponível - e que parte do lucro tributável de acordo com as normas e interpretações jurídicas construídas desde 1977.
No Anteprojeto de alteração da Lei nº 6.404/76, germinado em trabalhos exaustivos conduzidos pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e que resultou no projeto de lei enviado ao Congresso Nacional, justificava-se a modificação do art. 177 como muito significativa, buscando uma forma alternativa de preservar o interesse dos órgãos reguladores e permitir às companhias adotarem em sua escrituração mercantil todas as disposições da lei tributária ou especial, sem perda da qualidade da informação a ser disponibilizada aos demais usuários. Portanto, desde o início das discussões que resultaram na Lei nº 11.638/07 - há mais de sete anos - , preocupava-se a autarquia federal com este que é, hoje, tema dos mais caros à tributação no mundo: a harmonização de normas tributárias e regras contábeis.
É fácil notar a ratio essendi do mecanismo de estabilização à luz dos propósitos exclusivamente contábeis e societários que pautaram as modificações na Lei das S.A. A Lei nº 11.638/07 resultou de amplo debate com a própria CVM e órgãos públicos e privados.
Essa circunstância foi reconhecida nas duas Casas Legislativas nacionais como condição de legitimidade para aprovação integral do texto proposto. Não se cuidou, no debate no Legislativo, até onde conhecido, de aspectos tributários. Nem deveria ser diferente. O princípio da especialização, como corolário da reserva legal e previsto na Lei Complementar nº 95/98, impede que uma lei contenha matéria estranha ao seu objeto.
Finalmente, queremos pontuar os problemas que ocorrem - se regras contábeis fossem usadas para determinação de bases tributárias.
Essa discussão é motivo de debates em foros internacionais, sob a ótica dos International Financial Reporting Standards (IFRS). Adotar tal visão implicaria levar aos tribunais nacionais a interpretação de normas contábeis, não relacionadas à capacidade de pagar tributos.
O Direito Societário cuida de relações jurídicas de natureza societária, em que a contabilidade desempenha papel de inestimável suporte; não se volta, contudo, a criar insegurança tributária. Louvável, pois, o conteúdo de harmonização no mecanismo criado com a alteração do art. 177, § 2º, da Lei das Sociedades por Ações. Em uma palavra: avançamos.

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