sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Neutralidade fiscal da nova lei não deve ser absoluta

Valor Online / Cristine Prestes e Marta Watanabe
19/09/2008

A nova lei contábil brasileira, que entrou em vigor neste ano, não deve trazer grande impacto tributário para as empresas abertas - ao menos nos exercícios fiscais de 2008 e 2009. Mas a prometida neutralidade fiscal da legislação não é absoluta. Uma medida provisória em discussão entre a Receita Federal e as entidades que compõem o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) para regulamentar as questões tributárias pendentes com a entrada em vigor da Lei nº 11.638, de 2007, trazem alterações pontuais na legislação tributária. Versões da minuta circulam entre advogados tributaristas e incluem novidades na tributação de doações e subvenções e de prêmios na emissão de debêntures. Procurada, a Receita Federal não se manifestou até o fechamento desta edição. O documento que é considerado a última versão da minuta de medida provisória cria um regime tributário de transição para apuração do lucro real das pessoas jurídicas para os anos-calendário de 2008 e 2009. De acordo com o texto da proposta, para o exercício fiscal de 2008, as regras de transição são opcionais, e para o de 2009, obrigatórias. Na prática significa, segundo o advogado tributarista Roberto Quiroga Mosquera, sócio do escritório Mattos Filho Advogados, que as empresas terão que fazer duas contabilidades: a societária e a fiscal. De acordo com o vice-presidente da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), Alfried Plöger, a previsão foi feita porque muitas empresas já estão recolhendo o Imposto de Renda de acordo com as normas da nova lei contábil. Já no ano que vem, a lei antiga passa a ser referência obrigatória para a apuração do lucro. Segundo Plöger, há um consenso entre o governo e as entidades de que a nova lei contábil não trará efeitos fiscais para as empresas, promessa feita durante a tramitação do projeto de lei no Congresso Nacional - e a medida provisória acomodaria a situação até que saiam as regras definitivas. "Mas não houve tempo hábil para harmonizar as normas tributárias à nova legislação", diz. "Então a melhor forma é fazer isso com calma." Tributaristas consultados pelo Valor, no entanto, discordam da neutralidade fiscal da minuta de medida provisória. Uma das novidades tributárias trazidas pela proposta é a que trata das doações e subvenções, diz o advogado Paulo Bento, sócio do escritório Souza, Cescon Advogados. Segundo ele, pela legislação tributária em vigor, se a subvenção for capitalizada, mas a empresa reduzir capital posteriormente, essa subvenção passa a ser tributada. Já a minuta de medida provisória diz que reduções de capital nos cinco anos anteriores à capitalização passam a ser tributadas. "É uma tributação a mais, mas uma alteração feita para coibir abusos", acredita Bento. Outra alteração para a qual os tributaristas chamam a atenção é para o caso das debêntures com prêmios. A minuta estabelece que esses prêmios serão tributados caso haja capitalização com restituição de capital aos sócios, inclusive nos cinco anos anteriores à data de emissão das debêntures. Os prêmios também serão tributados caso integrem a base de cálculo para os dividendos obrigatórios. Essas hipóteses de tributação não existem pela legislação tributária em vigor, lembra o consultor da ASPR, Pedro César da Silva. "Acredito que essa foi uma solução salomônica", diz. Quiroga, referindo-se ao receio inicial de que as debêntures com prêmio e as doações e subvenções passassem a ser imediatamente tributadas porque a nova lei contábil passou a considerar esses valores como integrantes do resultado da companhia e não mais como reserva de capital, na conta de patrimônio, como era anteriormente. A superintendência da Receita Federal no Rio Grande do Sul chegou a soltar resposta a consulta de contribuinte dizendo que a partir de primeiro de janeiro de 2008 as subvenções e doações passaram a ser tributadas. "A minuta tentou uma solução que não torna as subvenções e debêntures com prêmios imediatamente tributáveis, mas também não permite uma isenção ampla e irrestrita", diz Quiroga. Para o advogado, as novas hipóteses de tributação tanto para as debêntures com prêmios como para as subvenções e doações fazem sentido dentro da preocupação de desestimular a descapitalização da empresa. O advogado Regis Fernando de Ribeiro Braga, do escritório Braga e Marafon, vê as novas tributações propostas com mais reserva. "Com isso, não haverá neutralidade tributária total mesmo no que se chama de período de transição", diz. Para ele, há ainda a preocupação com o que pode acontecer a partir de 2010. "Não há, nessa minuta, nenhuma garantia de que, passados os dois anos de transição, não haverá a repercussão tributária inicialmente temida em relação às debêntures, às subvenções e doações e até para parte do ágio pago na aquisição de empresas", diz um advogado que preferiu não se identificar. "Caso essa minuta seja aprovada na redação em que está e não haja outra alteração na atual legislação tributária, esses valores estarão automaticamente sujeitos à tributação", crê Braga. "O texto da minuta conta a favor da Receita porque explicita esses dois anos como um regime de exceção.

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