sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Mercosul protecionista

O Estado de São Paulo
21/11/2008
Há menos de uma semana o governo brasileiro assumiu, juntamente com os demais integrantes do Grupo dos 20 (G-20), o compromisso de nos próximos 12 meses não ampliar barreiras comerciais e não limitar exportações. Os chefes de governo também prometeram não adotar, nesse período, incentivos à exportação incompatíveis com as normas da Organização Mundial do Comércio (OMC) - uma declaração redundante, mas incluída, assim mesmo, na declaração conjunta. Agora o presidente Luiz Inácio Lula da Silva precisa decidir se vai levar a sério esse compromisso ou se embarcará, juntamente com a Argentina e outros sócios do Mercosul, em mais uma elevação da Tarifa Externa Comum (TEC).
O governo argentino passa por um novo surto protecionista. Já ampliou a lista de licenças não automáticas para importação, afetando os fabricantes brasileiros de televisores e têxteis. Pretende, além disso, adotar salvaguardas contra produtos de alguns setores industriais do Brasil, incluídos o metalomecânico e o de autopeças. Para isso, tentará acionar o Mecanismo de Adaptação Competitiva do Mercosul (MAC), uma aberração admitida por Brasília, mas ainda não regulamentada do lado brasileiro. Iniciativas desse tipo afetam o comércio interno do bloco regional, tornando-o mais emperrado e escancarando ao mundo a sua fragilidade, mas não afetam diretamente a relação do Mercosul com os demais países.
Mas o governo argentino também defende a elevação da Tarifa Externa Comum, aplicada a produtos originários de fora do bloco. O governo brasileiro não se manifestou contra a idéia, pelo menos abertamente. Ao contrário, tem dado sinais de apoiar a iniciativa. O assunto foi discutido em Buenos Aires, na terça-feira, em reunião do Comitê Bilateral de Monitoramento do Comércio. Segundo nota divulgada pelas autoridades argentinas, os negociadores decidiram propor na reunião de cúpula do Mercosul, marcada para dezembro, em Salvador, a elevação da TEC para vinhos, pêssegos, laticínios, têxteis, móveis de madeira, produtos da indústria de calçados e “outros”.
O compromisso assumido pelos governantes do G-20, em Washington, não implica, nem poderia implicar, renúncia ao direito de legítima defesa comercial, nos termos previstos pelas normas internacionais. Mas será essa a justificativa para o pretendido aumento da TEC? Poderão os governos do bloco sustentar essa justificativa diante dos parceiros de fora?
Os países do Mercosul não são os únicos a impor restrições ao comércio depois da reunião do G-20, no sábado passado. O governo russo anunciou a redução, em 2009, das cotas de importação de frangos e de suínos. A Índia deverá cobrar uma nova tarifa sobre os produtos de aço, de acordo com informação do Ministério da Economia. Barreiras criadas em vários países, antes da crise internacional, são mantidas em vigor ou foram recentemente estendidas. É o caso das tarifas impostas pelo governo americano à importações de aço da Índia, da China, da Indonésia, de Taiwan e da Ucrânia, criadas em 2001 e renovadas no dia 11 de novembro.
Também tem havido novidades do lado do estímulo à exportação. Antes da reunião de Washington, o governo chinês anunciou novas facilidades fiscais para os exportadores a partir de dezembro. Falta verificar se esses incentivos são compatíveis com as normas da OMC.
O governo brasileiro também deveria - e poderia - fazer mais para aumentar o poder de competição dos exportadores brasileiros e teria meios para conseguir isso sem violar acordos internacionais. Mas não tem ido além de medidas fragmentadas e de execução muito lenta.
Uma boa política para aumentar a competitividade, mais necessária do que nunca, seria a alternativa correta a medidas protecionistas. O compromisso do G-20 contra o protecionismo refletiu, em boa parte, posições defendidas com insistência pelas autoridades brasileiras. O recurso fácil ao protecionismo, agora, será desmoralizante, mas Brasília dificilmente deixará de acompanhar Buenos Aires na defesa de uma TEC mais elevada para vários produtos.
O protecionismo argentino tem grandes possibilidades de prevalecer, nesse caso, e também na hipótese de uma nova tentativa de acordo sobre os temas básicos da Rodada Doha, neste fim de ano. Algo diferente será uma enorme surpresa.

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