segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Brasil é o melhor preparado para crise na América Latina, aponta OCDE

Terra / Lúcia Jardim
01/12/2008

O Brasil é o país latino-americano mais preparado para enfrentar a crise mundial. Na opinião do coordenador do Centro de Desenvolvimento da América Latina da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômino (OCDE), Jeff Dayton Johnson, o crescimento do mercado interno e da quantidade das reservas em dólar do País nos últimos anos são as principais razões para este cenário.
O especialista diz ainda que o Brasil pode não escapar dos efeitos da recessão mundial, mas tem condições de retardar a chegada deste processo ao País e sair mais cedo dele, comparado a outras nações. Confira a entrevista exclusiva concedida ao Terra, direto de Paris.
Terra - Que análise o senhor faz da situação do Brasil face à crise econômica?Jeff Dayton Johnson - Em comparação ao México, por exemplo, o Brasil se encontra em uma situação claramente melhor. Porque o Brasil investiu em uma diversificação dos mercados externos e há uma diversificação da atividade doméstica. Há uma demanda muito importante que vem do interior do País e investimentos importantes sendo feitos no Brasil. O Brasil está, provavelmente, melhor colocado do que jamais esteve para fazer face á qualquer crise internacional. Embora o Brasil continue muito dependente dos Estados Unidos e dos países europeus, na América Latina ele é o melhor colocado.
Terra - Até que ponto esta dependência externa ainda vai fazer o Brasil sofrer com os efeitos da crise?Johnson - Por causa dessa dependência que ainda existe, e em função dos efeitos que estes países (EUA e europeus) ainda vão sofrer, haverá certamente desaceleração econômica e diminuição das trocas comerciais. A alta demanda chinesa por matérias-primas, que poderia suprir a redução da demanda americana, também será reduzida. Ou seja, haverá uma diminuição global das trocas comerciais, em relação ao que estávamos tendo nos últimos anos. Uma segunda causa para a desaceleração, evidentemente, será a baixa dos preços dos produtos exportados, que provocará efeitos negativos. Mas, além disso, há uma questão que segue sendo a mais misteriosa, que é a questão do crédito. Todo mundo sabe que alguma coisa vai acontecer em função da falta de crédito, mas ainda não se sabe exatamente o que e nem a que ponto será negativo para a América Latina. Na crise de 97, no Brasil, houve uma retração forte de cerca de 30% nos investimentos. Hoje, se os efeitos forem os mesmos, de onde virá o dinheiro para o crédito? O Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial e outras instituições financeiras internacionais poderão ser novamente fontes de recursos. Mas uma coisa que é nova no Brasil, desta vez, é o montante incrível de reservas do Banco Central. Houve até mesmo tentativas de mobilizar essas reservas para suplementar o crédito e isso, no contexto latino-americano, é algo verdadeiramente inovador. É claro, é uma medida complicada por razões institucionais. Mas, se chegamos a mobilizar as reservas no Brasil, isso, sim, poderá diminuir a escassez de crédito.
Terra - O reforço do mercado interno poderia ser uma outra solução?Johnson - Sim, logicamente essa seria uma boa solução. O resultado das políticas contra a pobreza no Brasil e as mudanças na distribuição de renda no Brasil, provavelmente, reforçarão o poder de compra da população. É fato que, quanto mais houver movimentações em direção aos degraus mais altos da escala social, mais demanda interna teremos. Num caso como o brasileiro, a demanda interna por bens de consumo e por investimentos continua, felizmente, muito forte.
Terra - Teremos recessão no Brasil?Johnson - A definição de recessão varia muito de um país para o outro. Nos Estados Unidos, ocorre recessão depois de dois ou três trimestres de redução do PIB. Na China, uma recessão é um ano de crescimento de 6% ou 7%. No Brasil, não sei se teria uma definição clara, mas uma taxa de crescimento mais baixa é certamente prevista para o próximo ano. Por exemplo, se comparamos um crescimento de 3% com que se verificou uns anos atrás, seria considerado recessão. Mas no contexto atual, um crescimento de 3% é bom, comparado com as previsões para outros países.
Terra - O Brasil demorou mais para entrar na crise do que os países da Europa, por exemplo, que entraram logo que ela começou nos Estados Unidos. Por isso, ele deve também demorar mais para sair da turbulência?Johnson - É uma boa pergunta. Não sei dizer, mas provavelmente não.
Terra - É necessário que Estados Unidos e Europa se recuperem para que Brasil também possa se recuperar?Johnson - Se há uma recuperação na Europa e nos Estados Unidos, isso terá efeitos muito rápidos no Brasil. Então, no Brasil, pode acontecer, de no final das contas o País, ter entrado tarde e saído cedo da crise.
Terra - Os brasileiros devem prever deflação para o próximo ano, como é o caso de países como o Japão e os Estados Unidos?Johnson - Acho pouco provável. As pressões inflacionárias estão sendo muito mais estruturais na América Latina. No Brasil, não vejo chance para uma deflação generalizada. Haverá variação nos preços de uma forma muito relativa: em alguns setores vão subir e em outros, vai diminuir. Mas uma deflação geral é pouco provável.

Nenhum comentário: