quarta-feira, 11 de março de 2009

Fora de foco

Valor Econômico
11/03/2009
Um alerta deveria acompanhar os resultados de 2008 que as companhias abertas terão que publicar até o fim deste mês. O que já era complexo na numerologia dos balanços, agora está perto do indecifrável.
A fotografia trimestral do desempenho das empresas com ações em bolsa, essencial para a tomada de decisão dos investidores, deve sair desfocada justamente num dos períodos mais críticos da economia global. O principal motivo é a mudança das regras contábeis no Brasil. No momento, o país está num processo que, em 2010, pretende levar as empresas brasileiras ao mundo das normas internacionais de contabilidade (IFRS, na sigla em inglês), uma tentativa de unificação da língua falada pelas companhias. O futuro parece promissor: como o IFRS já foi adotado em cerca de 110 países, os investidores poderão comparar as empresas de diferentes regiões. Mas, até lá, apertem os cintos e peçam proteção a São Mateus, o padroeiro dos contadores. Do jeito que as coisas estão, o balanço não se compara nem com ele mesmo. Os ajustes nem sempre são pequenos e há setores com maior potencial de dano, como construção e aviação civil. Para tornar pior o que já estava ruim, o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), com o endosso da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), liberou as empresas de aplicar as novas práticas aos números de 2007, o que eliminou a base de comparação. A ideia foi facilitar a vida das companhias, perdidas em meio à enxurrada de normas que entraram em vigor em 2008. Mas a benesse dificultou - e muito - a vida dos investidores. "É um pedágio que todos estão tendo de pagar", disse Lika Takahashi, chefe de análise da Fator Corretora. "No longo prazo, vai melhorar muito. Mas, agora, a confusão está grande." Estamos diante de uma espécie de marco zero da contabilidade. Não é a primeira vez. A Lei das Sociedades por Ações, de 1976, causou rebuliço semelhante. Porém, naquela época, o mercado de capitais estava longe de ter a importância que ganhou nos últimos anos. "Tivemos três dias para fazer o que a Europa fez em cinco anos", afirmou Nelson Carvalho, vice-coordenador técnico do CPC e professor da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, Financeiras e Atuariais (Fipecafi-USP).
Carvalho refere-se à assinatura, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, da lei que deu livre curso à reforma contábil, no dia 28 de dezembro de 2007, para vigência a partir de 2008. Depois de sete anos de lenta tramitação no legislativo, a expectativa era que a lei só fosse aprovada em 2008, o que daria um prazo maior para os reguladores. A confusão ajudou a tornar mais lenta a safra de balanços. Com 21 dias para vencer o prazo legal, só 121 empresas, de um universo de 650 registradas na CVM, apresentaram o balanço completo e auditado de 2008. O perda maior, em termos de informação, está nos resultados do quarto trimestre. Para fins de publicação legal, só existem os três primeiros trimestres do ano - o quarto é engolido pelo balanço anual. No entanto, o mercado não abre mão dessa informação. Como não houve nenhuma orientação específica da CVM para o período, as opções foram variadas e, em alguns casos, o quarto trimestre não se compara nem ao terceiro trimestre e nem ao mesmo período de 2007.
Um dos principais articuladores do processo de adoção das normas internacionais no Brasil, o diretor da CVM Eliseu Martins, admite a existência de um vácuo regulatório para o quarto trimestre. Ele recomenda que se apresentem os dados de ambas as formas: nova e antiga. A dificuldade com os balanços desta temporada foi tanta - para fazer e para entender - que surgiram diversos resultados para um único período. Foi preciso buscar novas qualificações para tentar colocar ordem na balbúrdia contábil: há lucros "teóricos", resultados "orgânicos" e muitos números em choque que tiveram que ser "reconciliados".
E houve ainda quem não soube como fazer e tentou simplesmente deixar para lá. Num primeiro momento, a empresa decidiu não apresentar o quarto trimestre, mas acabou tendo que comentar os dados com analistas insatisfeitos.
"O cliente não quer saber da dificuldade. Quer uma conclusão: foi bom ou ruim", enfatiza Lika, da Fator Corretora.

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