segunda-feira, 6 de abril de 2009

O impacto da marcação a mercado mais flexível nos EUA

Reuters / Cláudio Gradilone
06/04/2009
Na quarta-feira, dia 1o, a Financial Accounting Standards Board (Fasb), organização não-governamental que regulamenta as normas contábeis norte-americanas, alterou as regras de marcação a mercado dos ativos bancários nos Estados Unidos. Em vez de ter de lançar os ativos por sua cotação a mercado, os bancos agora estão autorizados a usar um "valor justo".
Na linguagem muitas vezes hermética do departamento contábil, "valor justo" quer dizer que os critérios próprios dos bancos são aceitáveis pelo universo contábil para precificar ativos. A decisão provocou um momento de euforia no mercado financeiro, com as ações de bancos chegando a subir mais de 20 por cento quando os investidores tomaram conhecimento da notícia e calcularam seus desdobramentos.
Marcação a mercado é um daqueles temas que parece ser complicado e sem importância, quando, na verdade, é simples e tremendamente importante. A discussão da marcação começou no início desta década nos Estados Unidos, na época do estouro da bolha das ações de empresas de Internet. Resume-se a uma questão simples: quanto vale um ativo que tenho em minha carteira?
As respostas variam, e todas podem ser consideradas corretas. Um ativo pode ser precificado por seu custo de aquisição, por seu custo de substituição, pelo valor do fluxo de caixa futuro deflacionado por uma determinada taxa de desconto. No entanto, a resposta mais segura para o investidor é: um ativo vale o quanto um comprador pagar por ele agora.
Se retrocedermos dez anos e voltarmos ao cenário de euforia intangível com as ações de empresas de Internet, veremos que essa é a melhor resposta.
Um investidor que colocou seu dinheiro em um fundo de ações de empresas "pontocom" está mais preocupado com a quantia que vai receber se suas ações forem vendidas do que com os prognósticos de uma exuberante rentabilidade futura, especialmente em um campo novo, onde não há desempenho passado para ser considerado.
Esse é o raciocínio básico de qualquer aprendiz de tesouraria bancária: "quanto eu recebo se tiver de liquidar essa posição agora?"
Em 2002, a marcação a mercado provocou um terremoto no mercado brasileiro de fundos de investimento. A distorção do dólar devido aos temores com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva fizeram o dólar bater 4 reais e afetaram profundamente o mercado de títulos públicos, não só os remunerados pelo dólar, mas mesmo os pós-fixados, que à época representavam a grande maioria dos papéis do governo em circulação.
A praxe do mercado era comprar esses títulos e mantê-los em carteira até seu vencimento. Isso simplificava a vida dos gestores e tranquilizava os investidores em fundos de renda fixa, que viam seu dinheiro ser remunerado à mesma taxa dia após dia. Quando a marcação foi implementada, em maio de 2002, fundos até então tidos como risco zero viram suas cotas retroceder mais de 5 por cento em um único dia.
O resultado foi uma debandada do mercado de fundos, que perdeu 50 bilhões de reais em duas semanas, cerca de 10 por cento de se patrimônio total na época. Esse dinheiro migrou para os Certificados de Depósito Bancário (CDB) e só retornou muito lentamente aos fundos.
A justificativa do Banco Central, que decidu antecipar uma decisão agendada para setembro, foi que os investidores que sacassem seu dinheiro antes da marcação seriam beneficiados injustamente às custas dos remanescentes na carteira dos fundos.
Os críticos da medida disseram que não fazia sentido marcar a mercado um ativo destinado a ficar em carteira até o vencimento. Esse argumento é válido, tão válido que no ano seguinte os fundos de pensão foram autorizados a deixar de marcar os papéis de longo prazo que possuíam, desde que se comprometessem a permanecer com eles até o vencimento.
O que tudo isso tem a ver com os bancos norte-americanos hoje? Tudo. Boa parte dos derivativos criados com base em empréstimos imobiliários é tóxica, e não vale o silício dos computadores que guardam os registros. No entanto, uma parcela desses contratos tem valor.
A tarefa de separar o joio do trigo será lenta, longa e tensa, pois o resultado nascerá de negociações e até de litígios jurídicos, fatores que acrescentam incerteza aos fluxos financeiros e provocam, consequentemente, oscilação nos preços.
Ao dispensar os bancos da obrigação de transferir essas incertezas mutáveis para os balanços, as autoridades contábeis norte-americanas concedem um voto de confiança aos bancos. O raciocínio é que ninguém conhece melhor um devedor do que seu credor, e esse conhecimento, aplicado ao longo do tempo, permitirá aos bancos maximizar o valor a receber, reduzindo ao mesmo tempo a turbulência no mercado e a incerteza sobre o sistema financeiro.
Agora, se os bancos serão merecedores desse voto de confiança, aí é assunto para outras colunas.

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