terça-feira, 2 de junho de 2009

CVM discute novas regras para a adoção de 'poison pills' nas empresas

Para especialistas, cláusulas que protegem os controladores vêm dificultando negócios no País
O Estado de S.Paulo / Marianna Aragão
02/06/2009
Na onda das ofertas públicas de ações (IPOs, na sigla em inglês) dos últimos anos, as "poison pills" (pílulas de veneno) foram assunto recorrente nas mesas de reuniões entre empresários e advogados. Essas cláusulas, trazidas do direito comercial americano, foram inseridas na maioria dos estatutos das companhias que abriram seu capital. Em geral, o mecanismo obriga um eventual interessado na compra de parte das ações de uma empresa a fazer uma oferta pública de aquisição (OPA) a todos os acionistas.
O objetivo dos empresários era se proteger de ofertas hostis de investidores, preservando sua posição no controle da empresa. Mas, na prática, o sobrepreço criado pela medida desestimulou muitos negócios. "As poison pills são uma trava às operações de fusão e aquisição", diz a professora de mercado de capitais da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (Direito GV), Érica Gorga. Um advogado que acompanha o assunto afirma que, nos últimos anos, pelo menos cinco fundos estrangeiros desistiram da compra de ativos no Brasil, após descobrirem que seriam obrigados, por estatuto, a fazer uma OPA.
Desde o início da crise, o debate sobre o impacto dessas cláusulas no mercado aumentou. A desvalorização das companhias na bolsa fez crescer ainda mais os olhos de investidores estrangeiros. "Muitas empresas precisam captar recursos e viram operações importantes sendo barradas. O veneno acabou funcionando contra o próprio criador", explica Renato Ochman, sócio do escritório Ochman Real Amadeo, especializado em direito societário. Isso ocorre porque algumas companhias fixaram o "gatilho", ou limite para acionamento da cláusula, em 10% a 20% das ações - ou seja, a exigência era a mesma para aquisições de participação minoritária.
No início do mês passado, a Comissão de Valores Imobiliários (CVM) deu os primeiros sinais de que pretende mexer nessa questão. A entidade colocou em consulta pública uma norma que permite a retirada da cláusula de poison pills dos estatutos. Antes, isso só poderia ser feito após a realização de uma assembleia geral. Algumas empresas foram além: obrigavam os acionistas que votassem contra o uso das pílulas a fazer, eles mesmos, uma oferta pública para comprar os papéis dos demais acionistas (que não aprovaram a mudança).
A orientação está sendo discutida pelos técnicos da CVM e ainda não tem prazo para ser publicada. Porém, a manifestação da Comissão sobre o tema já está mexendo com o mercado. Segundo Ochman, algumas empresas procuraram o escritório recentemente para saber como suprimir as cláusulas de seus estatutos. Do outro lado, fundos de private equity (que compram participação em empresas) estariam sondando negócios no País.
Para o sócio da área de fusões e aquisições da Lefosse Advogados, Thiago Sandim, a nova normatização da CVM pode inaugurar uma nova fase no mercado de capitais, marcada pelas ofertas hostis e maior desapego ao controle. E isso pode ser positivo para as companhias. "Quase 70% delas perderam valor de mercado apenas dois meses após o IPO", explica. A aquisição por uma empresa ou investidor, segundo ele, poderia transformá-la em ativo mais atraente. "Esse movimento - comprar, sanear e fazer novo IPO ou vender - foi bastante visto nos EUA e na Inglaterra."
Na avaliação do advogado, uma possível restrição às pílulas de veneno também tornará as empresas mais eficientes. "Removendo as cláusulas, você permite que o mercado precifique os ativos. A empresa que não for eficiente perde valor e é absorvida. É a seleção natural", afirma. Para a professora da GV Direito, a barreira à mudança de controle contraria as boas práticas de governança corporativa das empresas. "As poison pills impedem que ocorra uma troca na administração que poderia ser benéfica para os acionistas."

Nenhum comentário: