quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Responsabilidade será foco da CVM em 2010

Mercado de Capitais: Autarquia enfrentará discussões de minoritários mais fortes enquanto normatiza papel de intermediários.
Valor Econômico / Graziella Valenti
02/09/2009
O mercado de capitais brasileiro vive a fase típica da maioridade. Junto com as benesses como maior liberdade e facilidade para captação de recursos, vem junto o aumento dos deveres e das obrigações. Não por acaso, discussões em torno da responsabilidade de seus diversos agentes estão na pauta da próxima fronteira de regulamentação a ser encarada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Pouco mais de dois anos após assumir a presidência do regulador do mercado e 20 instruções depois, Maria Helena Santana falou com o Valor sobre os próximos passos da autarquia. Até o fim do ano, o regulador termina a agenda de transparência, na qual trabalhou durante a ressaca do mercado - repleta discussões sobre governança de novatas e de movimentos societários inusitados.
A expectativa é que ainda nesta semana seja conhecida a versão final do Formulário de Referência. O documento substituirá o antigo Informativo Anual (IAN). Com ele, a partir de 2010, o nível de informação disponível de uma companhia aberta aumentará significativamente. "Era uma dívida que a CVM tinha com o mercado", diz Maria Helena, a respeito da revisão da instrução 202, que contempla a criação do novo formulário. Além de dados sobre o desempenho econômico, as empresas terão que fornecer suas políticas internas.
A economista assumiu a autarquia no fim do primeiro forte movimento do mercado após sua revitalização, em 2007. Agora, está em gestação a segunda onda de listagens, no pós-crise.
Só neste ano, já foram captados mais de R$ 19,5 bilhões com ofertas de ações, em sua maioria de companhias já abertas. E já começam a surgir as primeiras aberturas de capital - embora os especialistas mostrassem convicção de que esse movimento ficaria apenas para 2010. Aos poucos, a fila de pretendentes que ficou retida pela crise começou a andar.
Com a nova 202, as companhias que deixarem para pedir o registro de oferta de ações no começo do ano que vem já terão que apresentar ao mercado o formulário de referência preenchido.
Entre os principais benefícios de um ambiente mais maduro para as companhias está justamente o acesso a capital a um custo competitivo - função original do mercado e que no Brasil ficou durante muitos anos inativa. A contrapartida é encarar um contínuo aumento da exigência por transparência - seja pelo regulador ou pelo mercado - e uma atividade cada vez mais organizada dos investidores.
Nos últimos anos, os minoritários ganharam mais direitos ou esses direitos foram mais claramente regulados pela CVM. As operações de incorporações, uma das mais polêmicas estruturas de negócios, foram cercadas pelos entendimentos sobre as condições oferecidas aos minoritários, deixando, por vezes, a decisão nas mãos desse grupo - inclusive quando houver combinação de negócios.
Os controladores das empresas que vierem na próxima onda de aberturas de capital, bem como os executivos dessas empresas, deverão estar preparados para conviver com um minoritário mais fortalecido e organizado - embora ainda distante do ativismo americano. Esse grupo terá condições de, inclusive, oferecer chapa concorrente à administração da companhia.
Maria Helena está ciente do desafio que o aumento de companhias sem controlador definido e de um ativismo em desenvolvimento podem trazer. O Novo Mercado, ambiente em que todos têm direito a voto, já representa mais de 20% do mercado em número de empresas listadas. E já há mais de 30 companhias na Bovespa sem um controlador definido.
"É um mundo novo mesmo. De fato, será um desafio para nós." Ela lembra que também os minoritários, em especial numa companhia de capital pulverizado, precisam ter em mente o papel social da empresa. "Nessa crise, lá fora se questionou muito isso: onde estavam os acionistas que não viram os riscos de acumulando dentro das companhias."
Fiscalizar a responsabilidade desses investidores sobre as empresas será uma atividade nova para a CVM. O Brasil é historicamente um país de companhias familiares e a Lei das Sociedades por Ações, de 1976, foi desenvolvida nesse ambiente, ou seja, para conter abusos de controladores. Está expresso na lei que o dono e o administrador devem sempre agir no melhor interesse da companhia. "Eu não sei se há como punir minoritário por não agir pelo bem da empresa e não me lembro disso ter sido analisado antes na CVM. Vamos ter de descobrir."
Enquanto acompanha como os investidores cumprirão com seus deveres perante o futuro das empresas, a CVM atuará numa agenda para 2010 bastante focada nas responsabilidades de intermediários - aqueles que oferecem as aplicações aos investidores, sejam ações, fundos ou títulos dos mais diversos - e no papel estrutural de custodiantes e depositários.
A CVM não é a única nessa toada da responsabilidade, embora esteja na ponta do movimento. O tom veio do Comitê de Regulação e Fiscalização dos Mercados Financeiro, de Capitais, de Seguros, de Previdência e de Capitalização (Coremec). Em junho, o órgão emitiu deliberação sobre um dos estrangeirismos mais usado desde o começo da crise: "suitability", que nada mais é do que compatibilidade.
Esse comitê deixou claro que os intermediários de mercado devem se responsabilizar por verificar a adequação dos produtos aos investidores - perfil de alocação, prazo e conhecimento devem ser analisados. Por outro lado, o investidor deve admitir quais riscos efetivamente está disposto a correr e ser capaz de arcar com suas decisões.
O Coremec, órgão consultivo formado além da CVM por representantes do Banco Central (BC), da Secretaria de Previdência Complementar (SPC) e da Superintendência de Seguros Privados (Susep), recomendou que os reguladores de mercado adotem normas que exijam essa prática. A autarquia está trabalhando nesse sentido. Segundo Maria Helena, a instrução deve sair no início de 2010.
A regulamentação deverá ser abrangente e não entrará em detalhes muito específicos de cada mercado regulado pela CVM. Não está em debate, por exemplo, nada que modifique a participação do varejo em ofertas iniciais de ações. Apesar de ser uma jabuticaba - só existir no Brasil -, a modificação dessa prerrogativa não está em discussão, ainda que até mesmo os coordenadores das ofertas de ações vejam risco para o pequeno investidor nessas colocações.
Além do papel dos intermediários tradicionais, a autarquia avançará ainda sobre os agentes autônomos. "Ele é importante. Ajuda os investidores que estão longe do centro, mas precisa ser melhor acompanhado", disse Maria Helena.
Por fim, as normas de custódia também estão no cronograma para o próximo ano - e no topo. "É a prioridade que vem em seguida. Já começamos a discutir o assunto internamente." Mais uma vez, o objetivo é tornar explícita as responsabilidades desses agentes.
"O mercado mudou muito e a regulamentação não escreveu as obrigações compatíveis com a importância dessas atividades." De acordo com Maria Helena, as normas atuais não estão adequadas para a complexidade atual e para a mistura de produtos e de papéis. "São questões sérias e que ainda não estão bem enquadradas."
Apesar da grande diversidade de normas e das diversas áreas de mercado que abrangem, a presidente da CVM não vê mudança de direção estratégica no mercado brasileiro. "Não vejo necessidade de correções de rumo. Acho que estamos no caminho certo".

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