quarta-feira, 5 de março de 2008

Real forte muda empresas, que cobram política industrial

Reuters
05/03/2008
A indústria eletroeletrônica brasileira avalia que já fez o que podia para contornar o real valorizado e continuar exportando. Agora, prevendo déficit comercial do setor de US$ 20 bilhões em 2008, diz que é hora de o governo adotar uma política industrial que garanta condições de competitividade iguais às de outros países.
"Um setor que tem déficit crônico como o nosso tem a obrigação de apontar para o governo as oportunidades de ocupar este mercado", afirmou o empresário Humberto Barbato, presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), representante de um setor que movimentou mais de R$ 110 bilhões em 2007.
"Não vamos pedir proteção nenhuma para a indústria instalada no Brasil. Não queremos ser chamados de 'órfãos do velho modelo'. Queremos condições de igualdade", declarou, ao apresentar um documento chamado "Propostas para uma nova política industrial, tecnológica e de comércio exterior".
As sugestões foram discutidas com especialistas do BNDES e de outros órgãos oficiais, segundo Barbato, que fez questão de valorizar a iniciativa do governo de lançar - espera-se para ainda este mês - uma política industrial. A expectativa da Abinee é de que pelo menos a proposta de desoneração de encargos trabalhistas para os exportadores de software faça parte do pacote.
"Existe um diálogo", comentou o empresário, elogiando a atuação do ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge, e do presidente do BNDES, Luciano Coutinho. Por outro lado, Barbato não poupou crítica ao governo Fernando Henrique Cardoso, lembrando que à época se alegava que "a melhor política industrial era não ter política industrial".
Sócio da Cerâmica Santa Terezinha, o presidente da Abinee abriu os bastidores dos esforços feitos recentemente para continuar exportando seu único produto: isoladores elétricos de vidro e cerâmica, frente à valorização do real de 26% nos últimos 12 meses.
Na ânsia de reduzir custos, ele baixou a guarda e mudou, por exemplo, a matriz energética da fábrica, em Pedreira, interior de São Paulo, de gás liquefeito de petróleo para gás natural. "Resisti o quanto pude", admitiu, diante do momento delicado de abastecimento de gás natural para a indústria.
Considerando os ganhos de produtividade, a recuperação de preço dos bens exportados e a moeda forte, ainda assim a fatia das vendas externas no faturamento da Cerâmica Santa Terezinha encolheu de 40% para 27% no ano passado.
"Houve mudanças muito violentas no processo produtivo das empresas. Não se esperava que a indústria fosse capaz de fazer tantas mudanças para manter o retorno com as exportações", disse o empresário. "Graças aos ganhos de produtividade, tenho mais condições de continuar concorrendo", afirmou.
Com o dólar abaixo de R$ 1,70, a indústria está no limite da compensação cambial por ganho de produtividade decorrente de redução de custos, avalia o gerente do departamento de economia da Abinee, Luiz Cezar Rochel, membro da equipe técnica que organizou as propostas de política industrial da associação.
"As exportações estão estáveis e as importações, crescendo. A indústria atua para reduzir custos, mas isso tem um limite", afirmou. "Outras iniciativas, como custo menor de mão-de-obra e de infra-estrutura, começam a ganhar mais importância agora do que quando o dólar estava a R$ 2", disse.
O assessor-econômico da Abinee, Carlos Cavalcanti, que também integrou a equipe técnica, justificou a necessidade de uma política industrial "que garanta qualidade à produção, com ganhos de produtividade que compensem a política cambial".
A redução da carga tributária, é claro, está contemplada nas propostas do setor, que defende, por exemplo, a desoneração da folha de pagamentos de empresas de mão-de-obra intensiva. A adoção dessa medida está condicionada pelo governo à aprovação da reforma tributária no congresso.

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