segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Crise mostra estouro de mais uma bolha especulativa

The New York Times / David Leonhardt
Tradução / Amy Traduções
29/09/2008

Sob todos os aspectos, este mês foi incomum para a economia dos Estados Unidos e seu sistema financeiro. A Merrill Lynch foi comprada por uma barganha, enquanto a Lehman Brothers simplesmente sucumbiu.
O governo federal americano pretende comprar centenas de bilhões de dólares em papéis que nenhum banco deseja. Essa parece ser a maior intervenção fiscal do governo desde a grande depressão, e tem o intuito de reativar os mercados financeiros e evitar que o congelamento de crédito jogue a economia em recessão profunda.
No entanto, mesmo se a economia não entrar em queda livre, os próximos anos provavelmente não serão de prosperidade. O período de excessos foi longo e a ressaca também poderá ser. Para o futuro próximo, o cenário mais provável será um crescimento econômico lento, aumento escasso da renda da maioria dos trabalhadores e, para os investidores, retornos decepcionantes de ações e imóveis. Se os consumidores começarem a cortar seus gastos devido às dívidas, as coisas poderão piorar.
Ainda assim, mesmo tendo sido um mês histórico, há algo familiar no que está acontecendo. Mais uma vez, testemunhamos o estouro da bolha especulativa, resultado do aumento radical dos preços de ativos, muito acima de seu verdadeiro valor. As bolhas se formam desde que os mercados existem. E sempre que uma dessas bolhas começa a vazar, passam anos até que se esvazie, causando enormes estragos econômicos.
Somente agora, por exemplo, as bolhas de uma década e meia passada, primeiro no mercado de ações e depois no imobiliário, começam a ir embora. É fácil pensar no caos dos últimos 13 meses sem relacioná-lo com a bolha de ações dos anos 1990, que pareceu ter terminado com a crise do setor de Internet em 2000 e 2001. A crise reduziu o mercado de ações em mais de um terço, a pior queda desde a crise do petróleo dos anos 1970. Gastos corporativos em novos equipamentos entraram em declínio e o desemprego aumentou durante três anos consecutivos.
Embora dramática, a crise do setor de Internet não chegou a apagar os excessos dos anos 1990. Na verdade, através de medidas bastante significativas, Wall Street após a crise pareceu continuar dentro da bolha.
Em 2004, firmas de serviços financeiros ficaram com 28,3% dos lucros totais do mundo corporativo americano, segundo a Moody's Economy.com. Foi um resultado inferior ao de anos anteriores, mas mesmo assim, quase o dobro da parcela média de lucros do setor nos anos 1970 e 1980. Em 2007, essa fatia dos lucros caiu apenas modestamente para 27,4%.
Enquanto isso, os salários dos funcionários de financeiras continuaram subindo, atingindo seu ápice no ano passado. Para cada dólar pago ao mercado de trabalho americano em 2008, 10 centavos foram para os funcionários de bancos de investimentos e outras companhias financeiras, em comparação aos seis, sete centavos pagos nos anos 1970 e 1980.
Como isso aconteceu? Primeiro, a população dos Estados Unidos (e da maior parte do mundo industrializado) envelheceu e criou poupanças. Isso gerou um aumento na demanda por serviços financeiros. Além disso, a ascensão econômica da Ásia - e, nos últimos anos, a alta do petróleo - deram aos governos estrangeiros mais dinheiro para investir. Muitos deles investiram em Wall Street.
No entanto, parte significativa da prosperidade financeira não parece ter relação com o desempenho econômico, não sendo, portanto, sustentável. Benjamin M. Friedman, autor do "The Moral Consequences of Economic Growth," (As Conseqüências Morais do Crescimento Econômico), lembra que quando trabalhava na Morgan Stanley no início dos anos 1970, os relatórios anuais da firma eram recheados de fotografias de fábricas e outros negócios tangíveis. Mais recentemente, os relatórios anuais de Wall Street tendem a enfatizar não tanto os negócios que as firmas aconselhavam, mas finanças pelas finanças, com gráficos oscilantes e fotografias de negociantes.
"Tenho a impressão de que em muitas dessas firmas," Friedman disse, "sua atividade se tornou cada vez mais divorciada da verdadeira atividade econômica."
Isso pode ser um sumário de como a crise atual transcorreu. Negociantes de Wall Street começaram a acreditar que os valores aplicados a todos os tipos de ativos foram racionais porque, bem, eram o que eles haviam determinado.
Os negociantes fatiaram as hipotecas em pedaços tão pequenos que se esqueceram do que estavam negociando: contratos baseados em empréstimos crescentemente instáveis. Com a propagação da crise, outros empréstimos passaram a ir mal. Hyun Song Shin, economista de Princeton, estima que os bancos absorveram até o momento apenas cerca de um terço à metade das perdas com as quais acabarão tendo que lidar.
Uma das poucas boas notícias é que Wall Street finalmente parece enfrentar com seriedade seus problemas. Isso pode ser observado mais claramente, talvez, nos preços das ações, que enfim caíram de seus níves estratosféricos da década passada.
A incomum ascensão acelerada do consumo ao longo das últimas duas décadas é, questionavelmente, a terceira bolha que confronta a economia. Isso aconteceu devido, em parte, ao grande aumento no endividamento, que pode agora estar chegando ao seu final, ao passo que a relação amorosa de Wall Street com as dívidas parece também terminar.
Mesmo se a economia tiver um desempenho melhor que o esperado, os investidores podem ainda cair no pessimismo. "Tendemos a agir como pêndulos," disse Joel Seligman, presidente da Universidade de Rochester, um observador de Wall Street. Existem longos períodos de muita prosperidade, nos quais investidores se preocupam somente em não perder o próximo grande negócio, seguidos de crises que fazem os mesmos investidores temerem que o mundo esteja chegando ao fim.
As bolhas inevitavelmente produzem insanidade, tanto na prosperidade quanto na crise. Por isso, o antigo governo laissez-faire de Bush, bem como o FED (banco central americano), anunciaram que a única maneira de restaurar a sanidade dos mercados seria por meio da compra de enormes pilhas de papéis relacionados a hipotecas. Na teoria, o governo poderia lucrar com esses papéis se for possível vendê-los por preços maiores quando as coisas retornarem à normalidade.
Mas poucos acreditam que isso ocorrerá. O senador Richard Shelby, do Alabama, republicano do Comitê Bancário do Senado, estima que o preço derradeiro a ser pago pelos contribuintes poderá chegar a cerca de US$ 1 trilhão, ou duas vezes e meia maior que o déficit orçamentário federal deste ano.
Um princípio norteador da política econômica dos anos recentes preconiza que ninguém é esperto o bastante para diagnosticar a bolha antes dela estourar. Esse foi um dos mantras de Alan Greenspan durante sua presidência no Fed. Seu sucessor, Ben Bernanke, afirmou basicamente o mesmo quando assumiu o cargo em 2006. Sob seus pontos de vista, não importava o quanto os preços das ações subissem em relação ao lucro, ou o quanto os preços das casas subissem em relação aos aluguéis, os reguladores acabavam cedendo à sabedoria coletiva do mercado.
O mercado geralmente está certo no final das contas. Mesmo quando não está, Greenspan reiterou, estourar uma bolha antes de seu crescimento máximo poderia reprimir a inovação e prejudicar outras partes da economia. Limpar as seqüelas causadas pelo estouro da bolha é mais fácil e menos caro, ele argumentou. Estamos vivendo o momento da limpeza.

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