segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Crise torna mais seletivas as ofertas de ações

DCI / Vanessa CorreiaEduardo Puccioni
24/08/2009
Para o presidente da Associação Brasileira das Empresas de Capital Aberto (Abrasca), Antonio de Castro, o pior da crise já passou, mas deixou rastros no mercado de capitais. Um exemplo, segundo o executivo, é que as ofertas de ações agora se restringem a grandes volumes, ao contrário do que acontecia em 2007. Além disso, Castro vê um grande potencial no mercado de debêntures, inclusive para o investidor pessoa física.
Crítico da atual carga tributária, que em sua visão impede um crescimento maior do País, o presidente da Abrasca concedeu entrevista ao programa "Panorama do Brasil", exibido pela TVB e comandado pelo jornalista Roberto Müller. Participaram da entrevista, Márcia Raposo, diretora de Redação do DCI, e Milton Paes, da rádio Nova Brasil FM.
Roberto Müller: Efetivamente tem havido novos IPOs, novos lançamentos de ações, o capital estrangeiro parece que voltou, o investidor individual não saiu. Eu queria saber se tudo o que estou falando é verdade e como o senhor está vendo o mercado neste momento.
Antonio de Castro: Eu acho, sem dúvida nenhuma, que é verdade. Simplesmente estamos vendo um mercado um pouco diferente do que vimos, principalmente, em 2007. Hoje é um mercado mais seletivo quando falamos em IPO. Estamos falando de operações de valor mais elevado do que muitas das operações que ocorreram. Então, é normal que o número de IPOs se coloque abaixo daquilo que ocorreu, por exemplo, em 2007, mas isso é bastante saudável: significa que o investidor tem uma preocupação de qualidade e preocupação de acompanhar o histórico e o desenvolvimento dessas empresas, e isso é muito positivo. Também não podemos deixar de falar das debêntures que estão sendo lançadas. Certamente, debênture foi um instrumento menos utilizado do que deveria no Brasil, e isso é outro aspecto positivo de mercado. É difícil dizer que estamos otimistas, mas podemos dizer que estamos moderadamente otimistas.
Márcia Raposo: O pior já passou, pelo menos? É isso que podemos dizer?
Antonio de Castro: Eu acho que sim. Eu tenho a impressão de que existem indícios muito interessantes: o crescimento da produção industrial, aparentemente por cinco meses consecutivos, é uma coisa muito expressiva; já tivemos uma reação nas vendas ao varejo; já tivemos uma boa reação na Bovespa, que, aliás, foi nas bolsas mundiais. Então acho que temos alguns indicadores positivos, no sentido de que o pior, talvez, já tenha passado.
Márcia Raposo: O senhor citou debêntures como papéis que podem melhorar a performance das empresas em 2009. Vimos grandes companhias fazer emissões de papéis e o que vemos é que, no mercado de debêntures, o comprador é institucional, de porte grande. O senhor vê uma migração, vamos dizer, do público médio, investidor individual, que possa ir para a debênture com mais força?
Antonio de Castro: Acho que é uma tendência natural. Às vezes, os valores mínimos são um pouco elevados, então as ofertas que são feitas frequentemente demandam um pouco mais de dinheiro. Mas acho que é uma tendência natural, especialmente a partir do momento em que os juros de renda fixa - principalmente CDI - estão baixando. Não é segredo para ninguém que o CDI, depois do imposto, está se aproximando muito da poupança e eu acho que isso cria um caminho natural à debênture. A debênture é uma alternativa que associa um pouco a qualidade daquilo que é renda variável - as empresas - com um rendimento de renda fixa um pouco mais interessante. Então tenho a impressão de que a tendência é mesmo de o segmento de pessoas físicas investir mais em debêntures nos próximos anos.
Roberto Müller: No auge da crise, cheguei a imaginar que fosse ocorrer o que os economistas chamam de efeito manada. Houve um pouco, mas o investidor pessoa física, os clubes de investimento não correram. Foi muito pequena a perda. A participação deles no mercado de ações hoje é significativa e crescente. A que o senhor atribui isso?
Antonio de Castro: Eu tenho a impressão de que o trabalho que a Bovespa fez durante anos, de educação do investidor individual, da pessoa física, foi muito produtivo. Acho que se pegarmos o comportamento desse grupo, foi um comportamento caracterizado por muita maturidade. Obviamente, não podemos dizer que o investidor estrangeiro não foi maduro. Obviamente tinham de vender para cobrir posições, perdas. Mas acho que foi um fator que surpreendeu positivamente a praticamente todos no mercado. Ou seja, a reação inicial foi muito moderada e, predominantemente, o investidor pessoa física manteve posições. Isso foi muito positivo e explica muito o fato de essa crise não se ter agravado no Brasil.
Milton Paes: E aquele, por exemplo, que não estava envolvido neste tipo de investimento? A partir do momento da crise, o senhor acredita que ele esperou mais para ver como ela iria se desdobrar para investir como pessoa física?
Antonio de Castro: O investidor, de uma maneira geral, percebeu que houve uma variação - o Índice Bovespa indica isso claramente -, redução muito grande, e ele ficou atento àquele momento em que começasse a aparecer uma relativa estabilidade. Então, os que estavam fora de ações, começaram a perceber uma oportunidade. Houve, obviamente, os que saíram, mas isso foi numa proporção pequena. Mas tenho a impressão de que em ambos os casos podemos dizer que, hoje, o investidor pessoa física demonstra grande maturidade.
Márcia Raposo: Olhando do ponto de vista do capital aberto, das empresas que estão acompanhando o mercado para ver uma janela de oportunidade para voltar ou não voltar, qual é a grande preocupação delas neste momento?
Antonio de Castro: Eu acho que existe uma preocupação, e a Abrasca fez uma pesquisa no início deste ano sobre essa preocupação. Obviamente, ter mais recursos através de captações ajuda muito, mas nota-se um cenário de grande preocupação de tomada de decisão de investimentos. Nessa pesquisa da Abrasca, cerca de 80% das opiniões indicaram tendência de queda nos investimentos. De certa forma, esta é uma notícia preocupante para a economia brasileira. Todos sabem que, na realidade, no longo prazo, investimento é muito importante. É ele que vai garantir o crescimento futuro. E acho que esse é o fator mais preocupante.
Márcia Raposo: E a carga tributária? Como as empresas estão vendo isso neste momento?
Antonio de Castro: É uma grande preocupação. Se eu fosse eleger a preocupação mais comum entre os associados da Abrasca, talvez esta seja a principal. Estamos num cenário que já começamos a ver uma queda nas taxas de juros - não na velocidade que se desejava -, mas obviamente está havendo uma queda da taxa de juros, que vai ajudar as captações. Não necessariamente via IPO, mas via outras captações no mercado, mas hoje não há a menor dúvida de que o grande freio ao investimento das empresas e o grande freio do crescimento da economia brasileira é exatamente a carga tributária. Ou seja, se compararmos o País com países emergentes, o Brasil realmente está sozinho com sua carga de 36%.
Roberto Müller: Como uma maneira de melhorar os efeitos da crise, o governo acabou reduzindo, embora temporariamente, impostos a vários setores, com resultados aparentemente muito proveitosos. Eu estou fazendo esta observação para perguntar se o senhor acha que isso pode ter começado a ensinar às autoridades que é possível reduzir a carga tributária sem reduzir a arrecadação.
Antonio de Castro: Eu acho que o ponto é perfeito, e houve um estudo muito interessante do economista Paulo Rabello de Castro em que ele coloca, de uma maneira muito simples, que, se a carga tributária fosse reduzida, digamos para algo como 30%, possivelmente em dez anos o governo estaria arrecadando tanto quanto arrecada hoje, o que propiciaria um crescimento bem maior. Eu tenho a impressão de que a referência que ele utilizou é que o crescimento, ao invés de seguir uma média de 3%, possivelmente estaria em torno de 6% ao ano. Então, é essa, talvez, a grande preocupação que nós temos. Esse excesso de carga tributária é o freio àquele nível de crescimento que a economia brasileira, sob outra carga tributária, teria.
Milton Paes: Houve uma pressão, logicamente de todo o segmento empresarial e de investidores, no sentido de o Brasil reduzir a taxa básica de juros, e isso aconteceu. O senhor acredita que esse fato vai aumentar a pressão em cima do governo no sentido de ele tomar medidas tributárias eficazes, como a reforma tributária?
Antonio de Castro: Eu imagino que deveria. Agora, infelizmente, não vemos notícias muito positivas com relação à reforma tributária, ou seja, é algo que vem sendo adiado. As reduções de impostos que vêm sendo feitas são caracterizadas de momentâneas. Agora, talvez num prazo mais longo essa mensagem fique, porque, removido o problema das taxas de juros excessivas -ainda são altas-, obviamente a bola da vez seria a carga tributária. Se pegarmos países latino-americanos, as cargas tributárias ficam na faixa de 20% a 25%. Nos tigres asiáticos, as cargas estão perto de 15%. Então, nosso padrão é um padrão mais escandinavo, europeu, do que o de um país emergente. Há uma insuficiência, e eu acho que outro aspecto que vem aparecendo de forma muito nítida é que a qualidade do gasto público não é boa. Não é necessário se pensar muito para ter exemplos. Estão sendo privilegiados os gastos correntes e o próprio governo faz níveis de investimento muito reduzidos. Para o setor privado, talvez haja recursos insuficientes porque pagam-se muitos impostos. E o setor público investe pouco. A gente sacrifica aquilo que é o grande indicador do crescimento futuro, que é o nível de investimento.
Roberto Müller: Há quem diga que a reforma tributária é tão difícil de fazer, de fato, por causa da teia de interesses dos estados, dos municípios e da União. Dizem que só é possível fazer isso no primeiro mês do governo de um presidente que tenha sido eleito por forte apelo popular. É verdade, ou é só uma desculpa para jogar mais para frente?
Antonio de Castro: Pessoalmente, eu acredito. O que se sentiu no início dos vários governos é que os momentos de reforma são realmente os de início de mandato. O fator da preocupação política com uma reeleição ou com a próxima eleição é muito pequeno, e nós tivemos um exemplo muito interessante: o projeto de reforma tributária que estava sendo trabalhado tinha aspectos altamente positivos, e, obviamente, no processo de negociação política, começaram a entrar aquilo que em linguagem coloquial se chama de contrabando, comum em algumas medidas provisórias e em alguns projetos. Obviamente, isso tem muito a ver com a negociação política, e isso o torna muito difícil. Eu tenho a impressão de que, se feita, mesmo que não fosse uma reforma tributária dos sonhos de todos, geraria um passo em alguma direção. Um aspecto do projeto de reforma tributária me parecia muito positivo: era a desoneração da folha de pagamentos.

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