Valor Online / Cristiano Romero
17/09/2009
Segue sem solução dentro do governo o problema do vencimento nos próximos anos, e especialmente em 2015, dos prazos de concessão de dezenas de empresas de geração, distribuição e transmissão de energia elétrica. A legislação que regula o assunto é ambígua e o governo Lula, como se sabe, rejeita a possibilidade de privatização, opção que facilitaria a resolução de pelo menos metade dos casos. A paralisia regulatória prejudica a realização de investimentos.
No segmento de geração, vencerão até 2015 concessões que, juntas, respondem por 20% da capacidade instalada do país - 21.792 megawatts. No caso da distribuição, vão expirar os contratos de 37 das 64 concessionárias, responsáveis por 33% da energia comercializada no chamado Ambiente de Contratação Regulada (ACR). Na transmissão, chegarão ao fim as concessões que cuidam de 82% da Rede Básica do Sistema Interligado Nacional (SIN) - o equivalente a 73 mil Km de extensão.
Muitos das concessões foram prorrogadas em 1995 com base na Lei 9.074, que prevê a possibilidade de renovação de contratos vigentes. Em tese, se as concessões não forem renovadas ou estendidas, os ativos das usinas e distribuidoras e das empresas de transmissão serão entregues à União. Evidentemente, não é isso que se espera que ocorra. A tendência do governo é concordar com a prorrogação, mas estabelecendo, antes, condições vantajosas para o Estado e os consumidores (em termos de preços das tarifas) e, na medida do possível, dando tratamento diferenciado a situações distintas.
A legislação, infelizmente, não ajuda. O artigo 19 da Lei 9.074 diz que a União pode prorrogar, por até 20 anos, as concessões de energia elétrica. Já o artigo 175 da Constituição Federal determina que o poder público tem a incumbência de prestar um serviço público diretamente ou por meio de concessão ou permissão, "sempre através de licitação".
O vencimento das concessões do setor elétrico se tornou público quando o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), decidiu privatizar a Companhia Energética de São Paulo (Cesp). O problema é que os contratos de concessão de duas usinas da estatal - Jupiá e Ilha Solteira - já haviam sido prorrogados em 1995 e vão expirar novamente daqui a seis anos. Sem a prorrogação dos contratos, não há como vender a Cesp, na medida em que o comprador não pode contar com esses ativos, uma vez que eles podem ser revertidos à União no vencimento da concessão, em 2015.
No livro "Desafios do Regulador" (Editora Synergia), ainda inédito, o ex-diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) Jerson Kelman sustenta que, do ponto de vista legal, não há nenhum impedimento à venda da Cesp. Bastaria conceder, ao vencedor do leilão de privatização, a outorga de uma nova concessão. "É o que permite o artigo 27 da Lei 9.074, cuja constitucionalidade foi expressamente reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF)", explica Kelman em seu livro, leitura obrigatória para quem ambiciona conhecer, em profundidade, as dificuldades e os dilemas de um agente regulador no Brasil.
De fato, em agosto de 2002, o STF decidiu pela constitucionalidade do artigo 27, incisos I e II, da Lei 9.074. O dispositivo permite a outorga de novas concessões ou a prorrogação de concessões em caso de privatização. A opção, portanto, pela desestatização já é uma solução jurídica, com jurisprudência firmada pela corte suprema do país, para a renovação dos contratos de concessão que vão vencer nos próximos anos.
O governador José Serra fez inúmeras viagens a Brasília para tratar do assunto com o governo, que, justiça seja feita, sempre o atendeu muito bem, mas não nesse pleito. E a razão da negativa parece ser uma só: o viés estatizante da administração Lula.
Numa visão insuspeita do tema, Kelman diz, em seu livro, que, mesmo que aceitasse a privatização, o governo teria dificuldade em explicar, à sociedade, o porquê de beneficiar os acionistas da Cesp. "Por que a venda ou uso de ativos já amortizados, graças aos pagamentos realizados por consumidores espalhados por todo o território nacional, iria beneficiar apenas os acionistas e, por meio dos respectivos tesouros estaduais, apenas os paulistas e os mineiros (referindo-se ao caso da Cemig, que em 2005 solicitou a prorrogação de algumas de suas usinas)?", indaga Kelman, que, depois de cumprir quarentena, se associou à BR-Investimentos, empresa do economista Paulo Guedes, para criar e pilotar um fundo de investimentos especializado em energia e água.
O tema é, de fato, complexo. No caso das estatais, a privatização, como se viu, é uma saída. No de empresas de energia cujos ativos já tenham sido amortizados ao fim do contrato, a princípio é mais fácil resolver o problema. Concluído o prazo da concessão, promove-se nova licitação e ponto final. Na hipótese das usinas com ativos não depreciados ao término do contrato, há como indenizar os detentores das concessões com recursos da Reserva Geral de Reversão (RGR), um fundo formado com recursos pagos pelos consumidores via tarifa, e promover nova licitação. Uma alternativa seria prorrogar o contrato pelo período necessário à amortização total do investimento.
A dificuldade é saber, com razoável grau de certeza, se os investimentos feitos pelos concessionários públicos ou privados foram amortizados e, no caso dos que não foram, em que medida. Além disso, é preciso levantar o valor das despesas operacionais e de manutenção das usinas. Somente a partir daí o governo tem como calcular a tarifa de energia que pretende impor às concessionárias nos novos contratos, de forma a assegurar que eles sejam lucrativos e ao mesmo tempo beneficiem os consumidores. O trabalho é hercúleo e o que se discute, no governo, é a possibilidade de a Aneel promover uma auditoria nas hidrelétricas.
Uma decisão é urgente. Em 2012 e 2013, expiram contratos de venda de "energia velha" das geradoras para as distribuidoras. Novos acordos serão negociados e, para tanto, é preciso resolver o impasse das concessões que perderão validade.
quinta-feira, 17 de setembro de 2009
O impasse nas concessões de energia
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