sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Bovespa e BM&F querem se unir para não serem engolidas

Juntas, serão uma empresa de US$ 20 bi, maior que a Bolsa de Nova York

Isto É / Milton Gamez

29/02/2008

Agora é oficial. A Bovespa e a BM&F assumiram publicamente o namoro. Na terça-feira 19, as duas bolsas divulgaram fato relevante ao mercado, confirmando os boatos de que estudam uma fusão. Nos próximos 60 dias, as duas entidades irão definir os termos do acordo que poderá criar uma das maiores bolsas de valores e futuros do mundo, com valor de mercado de US$ 20 bilhões - à frente, por incrível que pareça, da mítica Bolsa de Nova York, do Grupo Nyse Euronext. O boato já circulava no mercado havia algumas semanas e o próprio diretor-geral da Bovespa Holdings, Gilberto Mifano, declarou em meados de janeiro que a união "faz sentido". Diante do fato, as ações dispararam: a cotação da Bovespa Holdings subiu 10,2%, na quarta-feira e a da BM&F, 15,4%. Sinal de que os investidores gostaram da notícia. Mas será que sai casamento? Provavelmente, sim. Mas tudo vai depender de grandes acomodações de interesses e ambições dos acionistas e dos dirigentes de ambas as bolsas. Se for adiante, a união será um marco importante no mercado de capitais. A fundação da Bovespa remonta a 1890. Dela nasceu, 90 anos depois, a BM&F. Juntas, elas seriam a 10ª maior empresa do País em valor de mercado. Estaria à frente de gigantes como Gerdau, CPFL Energia, Vivo e Embraer. Mas, para que isso aconteça, os acionistas das duas casas precisam agir rapidamente. A Bovespa está sendo assessorada pelo Credit Suisse e a BM&F, pelo Grupo Rothschild. Ambas têm interesse em fechar negócio antes que algum aventureiro o faça.

Quando decidiram passar de entidades sem fins lucrativos a companhias abertas, os acionistas da Bovespa e da BM&F se comprometeram a manter suas ações por um mínimo de seis meses após a estréia dos papéis no pregão eletrônico da Bovespa. No caso desta, o prazo de "lock up" vence em abril. No da BM&F, em maio. Depois disso, os sócios poderão se desfazer de suas ações, o que abrirá espaço para ofertas hostis de bolsas concorrentes, como a americana Chicago Mercantile Exchange. Esta já é sócia minoritária da BM&F, com 10%. A Bolsa de Nova York, por sua vez, tem 1% da Bovespa. As duas atuam em mercados maduros e gigantescos e teriam interesse em reforçar a presença em países emergentes como o Brasil. Apesar do valor de mercado alto de suas controladoras, as bolsas brasileiras são muito pequenas diante das americanas em termos de volumes negociados. Segundo a Economática, negociam-se na Bovespa, em média, US$ 3 bilhões por dia, quase 80% de todas as transações com ações na América Latina. Em Nova York, somente as ações da Apple Computer giram US$ 7,6 bilhões por pregão.

No Brasil, a idéia das bolsas é crescer para reinar. Como em toda fusão, há dois grandes interesses em jogo: o econômico e o político. Do lado econômico, que geralmente fala mais alto, a união da Bovespa e da BM&F traria enormes ganhos de escala e economias de custos, aumentando os lucros dos acionistas e dos investidores que operam nas bolsas. "Todo mundo sairá ganhando. Pouca gente vai perder", diz o corretor Eduardo da Rocha Azevedo, ex-presidente da Bovespa e fundador da BM&F. Segundo um estudo de um banco americano que circulou no mercado na semana passada, uma fusão traria ganhos de R$ 100 milhões para os clientes das duas bolsas somente no primeiro ano. Isso viria da economia de custos operacionais, como a liquidação e a custódia de títulos, por exemplo. Se puderem negociar nos mercados a vista e derivativos na mesma casa, os investidores terão economia com relação aos depósitos de garantias, poderão fazer operações cruzadas entre os mercados com mais facilidade e poderão realizar negócios de maior volume. E as reduções de despesas tornariam as bolsas mais lucrativas. Como os maiores acionistas da Bovespa e da BM&F são praticamente os mesmos - corretores, bancos e investidores estrangeiros - e todos ambicionam mais e melhores lucros, uma união criaria valor e evitaria a eventual competição entre as bolsas. Hoje, elas são monopolistas: a Bovespa atua em ações e renda fixa e a BM&F, em derivativos (futuros e opções de DI, dólar, Ibovespa, cupom cambial, boi gordo, ouro, café e etanol, entre outros ativos). Como dominam mercados em franco crescimento, ainda não precisam invadir a seara uma da outra.

A questão mais delicada, portanto, é a política. Depois da troca das alianças, quem vai mandar na superbolsa? Quem vê de fora imagina que a guerra de egos será sangrenta. Tanto a Bovespa quanto a BM&F possuem lideranças muito fortes e executivos influentes e respeitados no mercado e junto às entidades reguladoras. Raymundo Magliano Filho, 65 anos, comanda a Bovespa há sete anos consecutivos e Manoel Félix Cintra Neto, 59 anos, do pelo habilidoso titular. "O Magliano ficou mordido e matou a disputa antes de ela começar", afirma um aliado.

Tanto Magliano como Cintra Neto são verdadeiros animais políticos. Não foi sem muita habilidade que a Bovespa conseguiu, ao longo dos últimos anos, atrair os corretores de outras praças e tornar-se a única bolsa de valores do País. Estudante de filosofia, o carismático presidente da Bovespa deixou sua marca pessoal nas principais conquistas e transformações do mercado. Uniu-se a sindicatos de trabalhadores para derrubar a cobrança da CPMF nos negócios com ações e amanheceu em portas de fábrica para popularizar o mercado acionário. Foi à praia de bermudas catequizar investidores. Cintra Neto, da BM&F, é mais discreto e atua mais nos bastidores. Dirige uma bolsa que reina sozinha num mercado altamente competitivo e reúne, a cada dois anos, a nata da economia mundial no Congresso de Derivativos de Campos do Jordão. Ambos estão unidos na luta contra a cobrança de Contribuição Social sobre o Lucro (CSSL) imposta às bolsas pelo governo para cobrir a extinção da CPMF. Será que estão de acordo sobre o futuro da superbolsa?

O veterano Homero Amaral Júnior, presidente da Associação Nacional das Corretoras (Ancor), não acredita em disputa de poder entre Magliano e Cintra Neto. "Se houvesse disputa, não haveria conversa sobre a fusão", diz ele. Mas qual dos dois irá se aposentar após a união? "Não tenho a menor idéia. Pode até ser um terceiro nome. Torço pelos dois grupos, que já provaram ser muito competentes", afirma. Não menos importante, para as bolsas, será a decisão dos acionistas sobre quem será o principal executivo da nova superbolsa.

Na prática, são os diretores-gerais que mandam no dia-a-dia das organizações e fazem as engrenagens funcionar. Gilberto Mifano, da Bovespa, e Edemir Pinto, da BM&F, são muito competentes e lideram equipes vencedoras. Mifano criou o Novo Mercado, que revitalizou a Bovespa. Mas um dos dois terá de abrir mão do cargo nas negociações. "Não há espaço para dois CEOs. Quem vai escolher são os acionistas", diz Rocha Azevedo. Obviamente, o mesmo irá acontecer em todas as áreas das duas empresas onde houver superposição de funções. A Bovespa tem 821 funcionários e a BM&F, 559. Antes de abrir capital, em 2007, as duas bolsas chegaram a conversar sobre a união, mas não houve acordo. Quando as ações foram a mercado, o valor de cada uma ficou mais claro para todas as partes, o que deve ajudar as conversações atuais. A compra de uma pela outra ou a criação de uma holding que absorveria as duas estão em estudo e trariam economias tributárias significativas.

Por essas e outras, a fusão é estratégica e deve se resolver nos próximos 60 dias. "Se a Bovespa e a BM&F se fortalecerem, poderão comprar outras bolsas na América Latina em vez de serem compradas", diz Rocha Azevedo. Para ele, no futuro sobrarão entre seis e oito bolsas no mundo. "Com a grande concorrência internacional, manter a Bovespa e a BM&F separadas estava ficando insustentável", avalia o corretor Marcos Souza Barros. "A fusão é hoje uma obrigação", diz. Casamentos desse tipo já ocorreram em mercados como Hong Kong, Austrália, Cingapura, Espanha, Alemanha e Canadá. Chegou a vez do Brasil.

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