segunda-feira, 21 de julho de 2008

Rodízio volta à discussão

Valor Online / Catherine Vieira e Silvia Fregoni
21/07/2008
A disputa em torno do rodízio de auditores nas companhias abertas, que já gerou emblemáticas batalhas entre as auditorias e os órgãos reguladores, está de volta. O debate começou a esquentar na semana passada, depois que foi divulgado o resultado do estudo encomendado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) à PUC-Rio sobre os efeitos da regra. Embora admita que existe uma questão a ser considerada por conta dos custos, o trabalho conclui, por análise quantitativa, que houve benefícios decorrentes do mecanismo.
A reação foi rápida. A Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca) decidiu encomendar uma "extensão" do trabalho da PUC com foco na análise qualitativa dos números. E o Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon) fez internamente um levantamento sobre os efeitos do rodízio, com resultados diferentes. As duas entidades são declaradamente contra a regra.
A esperada pesquisa da PUC tinha a função de medir a eficiência do rodízio para o aumento da transparência e da confiabilidade dos balanços das empresas, características que ajudam a evitar as temidas fraudes contábeis.
O trabalho concluiu que, de 1999 a 2006, o rodízio elevou em 39% a chance de ocorrer ressalvas no balanço e em 6% a divulgação de contas facultativas, o que seria um benefício concreto da rotatividade de auditorias nas companhias abertas.
O rodízio começou no Brasil como regra para as instituições financeiras em 1996, depois da quebra do banco Econômico. Em 1999, a CVM decidiu seguir as normas do Banco Central e estendeu a troca às empresas. Na época, houve muitas críticas à medida, mas o escândalo envolvendo a companhia americana de energia Enron, em 2001, que levou à quebra de uma das mais conhecidas auditorias do mundo - a Arthur Andersen - , calou quem era contra a regra.
Anos depois da Enron, voltam as vozes contrárias à troca obrigatória de auditoria. A principal justificativa é que a prática é adotada por pouquíssimos países, entre os quais o mais significativo é a Itália. Mesmo nos EUA, onde houve o maior escândalo contábil de todos os tempos, as autoridades decidiram pela não adoção do rodízio, por considerá-lo pouco eficiente.
Logo que o recente estudo da PUC foi divulgado, houve no mercado nacional quem começasse a ficar esperançoso sobre uma flexibilização da regra. A expectativa era que, em vez do rodízio de firmas, passasse a ser exigida apenas a troca de equipe. Mas ainda há defensores do rodízio, inclusive na própria CVM. Assim, a questão ainda será alvo de muita discussão.
O diretor da CVM Marcos Pinto diz que o estudo ainda não foi debatido internamente e que, portanto, não existe posição da autarquia. Além disso, o colegiado está desfalcado de um diretor, a presidente está de férias e o superintendente de normas contábeis está de licença por questões de saúde. Tudo isso contribuiu para adiar as conversas em torno do tema. Mas esse é um dos próximos passos previstos: discutir internamente e com os participantes do mercado.
O resultado do estudo também deverá reabrir o debate sobre o rodízio no Comitê de Regulação e Fiscalização do Mercado (Coremec), que reúne a CVM, o Banco Central, a Superintendência de Seguros Privados (Susep) e a Secretaria de Previdência Complementar (SPC). A próxima reunião do grupo está prevista para 11 de agosto e, embora não exista uma pauta definida, sabe-se que o comitê aguardava apenas o trabalho para voltar à questão. A idéia é chegar a uma diretriz comum.
Para o Ibracon, é preciso fazer uma análise mais qualitativa dos balanços das empresas nos últimos anos. Por isso, a entidade avaliou 444 balanços de companhias que tiveram troca de auditores entre 2003 e 2004 e apontou que só 20% deles têm ressalvas. Segundo o Ibracon, porém, a análise dessas ressalvas revela que menos de 3% delas podem ter ocorrido em função de uma troca de auditor. "Mesmo isso não se pode afirmar com certeza", afirma Ana Maria Elorrieta, diretora de assuntos técnicos.
O presidente do Ibracon, Francisco Papellás Filho, diz que a entidade aguarda agora a abertura do debate formal com a CVM sobre o assunto. "O mercado evoluiu no período analisado pelo estudo em termos de governança, de novas empresas. Muitos fatores podem ter influenciado as conclusões da PUC, por isso é preciso fazer também uma análise qualitativa dos pareceres."
A Abrasca também considera que a melhora da governança das empresas pode ter sido responsável pelo aumento das ressalvas e da divulgação de contas facultativas nos balanços das companhias nos últimos anos. "O mercado evoluiu", afirma o presidente da entidade, Antonio Castro. Para ele, é necessária uma avaliação mais detalhada dos motivos do aumento da transparência apontado pela PUC.
A Abrasca está negociando com a própria PUC-Rio e com a Fundação Getúlio Vargas (FGV) a realização de uma "extensão" da pesquisa divulgada.
O presidente da autarquia à época da criação do rodízio, Francisco da Costa e Silva, mantém-se, oito anos depois, um radical defensor do mecanismo. "Se o custo do rodízio afetasse a competitividade das companhias, aí o assunto mereceria revisão. Mas eu duvido que seja esse o caso. O rodízio agrega transparência aos minoritários", afirma.
Também defensora do rodízio, a ex-diretora da CVM Norma Parente diz que a troca de equipes não é uma alternativa porque não tem a independência necessária. "Uma equipe pode se constranger em corrigir problemas da equipe anterior, que é da mesma auditoria", pondera. Um advogado que acompanha o debate, mas prefere não ser identificado, argumenta que os benefícios detectados pelo estudo da PUC são claros e que, embora o trabalho aponte custos, não mostra a relação entre o benefício e as despesas. Ou seja, pode ser que o benefício seja maior.
A rotatividade de equipes também é considerada insuficiente por Guillermo Braunbeck, estudioso sobre o tema e especialista da consultoria contábil e financeira Hirashima & Associados. "Todos os sócios de uma auditoria estão sob o mesmo guarda-chuva e mesmas regras", afirma. Para ele, uma saída seria a criação de um órgão para a fiscalização do trabalho do auditor - a exemplo do que ocorreu nos EUA após o caso Enron, quando foi criado o Public Company Accounting Oversight Board (PCAOB), financiado pelo próprio mercado de capitais. Mas os auditores não gostam muito dessa idéia.
Como parte da tese de doutorado que prepara na Universidade de São Paulo (USP), Braunbeck estudou o impacto do rodízio sobre o desempenho das ações de 27 empresas nos últimos anos. A idéia foi apurar se o mercado reconhecia alguma melhora de transparência e governança nas empresas que trocam de auditoria. "Ao melhorar a qualidade das informações, o rodízio poderia fazer as ações subir", explica. Segundo ele, o estudo mostrou que o mercado brasileiro não reage ao rodízio: não avalia nem para cima nem para baixo os papéis. "Assim, pode-se concluir que seria um mecanismo dispensável." Ele pesquisou empresas que estão na bolsa, pelo menos, desde 1996 e que participam dos níveis de governança ou do Novo Mercado.

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