terça-feira, 7 de outubro de 2008

Crise econômica cruza fronteiras, diz NYT

New York Times / Floyd Norris
07/10/2008
Os países europeus estavam trabalhando urgentemente na noite de domingo para impedir que a crescente crise de crédito derrubasse grandes bancos e alarmasse os correntistas quanto às suas economias, à medida que os problemas nos mercados financeiros se espalham pelo mundo, acelerando a desaceleração econômica em grandes economias dos três continentes.
O governo alemão agiu para garantir todas as contas de poupança do país, no domingo, na esperança de ressegurar os investidores nervosos diante do fracasso dos esforços de resgate a uma empresa alemã de crédito imobiliário e a uma grande empresa financeira européia.
Na noite de domingo, surgiu o anúncio de que novos resgates haviam sido organizados para ambas as empresas, a Hypo Real Estate, uma empresa alemã de crédito imobiliário, e ao grupo belga Fortis, que opera como banco e seguradora em boa parte do continente.
As preocupações cada vez mais sérias surgiram dias depois que o Congresso dos Estados Unidos aprovou um pacote de resgate de US$ 700 bilhões que funcionários de governos de diversos países esperavam servisse para acalmar os mercados financeiros em todo o mundo.
As medidas surgem enquanto autoridades regulatórias federais tentavam ajudar a resolver uma disputa sobre fusões nos Estados Unidos que poderia tornar os investidores menos seguros. Audiências judiciais estavam em curso em Nova York no domingo quanto aos esforços rivais do Citigrouo e do Wells Fargo para adquirir o Wachovia, um grande banco que pediu concordata uma semana atrás.
Na Europa, enquanto isso, a crise parece ser a mais séria que o continente enfrenta desde a criação da moeda comum da União Européia, em 1999. Jean Pisani-Ferry, diretor do grupo de pesquisa Bruegel, em Bruxelas, disse que a Europa estava enfrentando "nossa primeira crise financeira real, e ela não é uma crise qualquer. É uma crise séria".
O Banco Central Europeu (BCE) vem emprestando dinheiro aos bancos agressivamente, à medida que a crise se agrava. A instituição resistiu a pressões por um corte nos juros, mas sinalizou na quinta-feira que poderia fazê-lo em breve. O dinheiro adicional, cujo objetivo é garantir que os bancos mantenham seu acesso a dinheiro e capital, não serviu para ressegurar os investidores ou correntistas, e as bolsas de valores européias se saíram ainda pior do que os mercados americanos.
Na Islândia, funcionários do governo e dirigentes de bancos estavam discutindo um possível plano de resgate aos bancos comerciais do país.
Em Berlim, a chanceler (primeira-ministra) Angela Merkel e seu ministro das Finanças, Peer Steinbrück, foram à televisão para prometer que todos os depósitos bancários seriam protegidos, ainda que não estivesse claro se era ou não necessário de lei que garantisse o cumprimento dessa promessa.
Ciente da crescente ira do público quanto ao uso de dinheiro público para escorar os negócios dos bancos e de seus executivos regiamente remunerados, Merkel prometeu que eles também teriam um preço a pagar. "Nós declaramos também que aqueles que se envolveram em comportamento irresponsável serão responsabilizados", ela afirmou. "o governo garantirá que isso aconteça. É nossa obrigação diante dos contribuintes".
Os mercados de ações caíram acentuadamente na abertura dos pregões asiáticos na segunda-feira, devido aos crescentes temores quanto à saúde dos bancos europeus e à capacidade de resistência da economia mundial.
O índice Nikkei 225 caiu em 3,4% em Tóquio na segunda-feira; o índice Kospi da bolsa de Seul caiu em 3,7% e o índice Standard and Poor's/Australian Stock Exchange 200 caiu em 3,8%.
Os acontecimentos em Berlim e Bruxelas sublinharam o fracasso da abordagem caso a caso adotada pela Europa para restaurar a confiança do setor bancário cada vez mais combalido do continente. Uma conferência de cúpula européia na noite de sábado pouco fez para acalmar os temores.
O presidente francês Nicolas Sarkozy e seus colegas da Alemanha, Reino Unido e Itália prometeram que impediriam a ocorrência na Europa de um colapso como o do Lehman Brothers nos Estados Unidos, mas não ofereceram um pacote de resgate abrangente ao estilo americano.
A crescente crise colocou em destaque as dificuldades envolvidas em conduzir ações coordenadas nas Europa, porque as economias das nações do continente estão muito mais integradas do que as atividades de seus governos.
"Não somos uma federação política", disse Jean-Claude Trichet, presidente do BCE, depois da reunião. "Não temos um orçamento federal".
Na semana passada a Irlanda tomou medidas para garantir tanto os depósitos quanto os demais passivos de seis grandes bancos do país. Houve queixas em Londres e Berlim sobre a possibilidade de que a decisão oferecesse vantagens desleais a esses bancos. Mas a Alemanha propôs sua medida de garantia a depósitos bancários no domingo, depois que o Reino Unido elevou sua garantia a depósitos de 35 mil libras para 50 mil libras, o equivalente a US$ 90 mil.
Ao contrário do que acontece nos Estados Unidos, onde os depósitos de até US$ 250 mil estão garantidos plenamente agora - ante um limite de US$ 100 mil antes do pacote -, na maioria dos países europeus os depósitos estão garantidos apenas parcialmente, ocasionalmente por grupos de bancos e não pelos governos. Na Alemanha, os 90% iniciais dos depósitos de até 20 mil euros, ou cerca de US$ 27 mil, estão garantidos.
A conferência de Paris produziu uma promessa de que os líderes europeus trabalhariam juntos para deter a crise financeira e ressegurar os investidores nervosos, mas ainda antes que a reunião começasse estava se tornando claro que os dois grandes resgates anunciados na semana anterior não haviam obtido sucesso, e que um grande banco italiano poderia estar com problemas. O banco Unicredit anunciou no domingo planos para levantar até 6,6 bilhões de euros em capital.
O Fortis, que apenas uma semana atrás recebeu 11,2 bilhões de euros dos governos da Holanda, Bélgica e Luxemburgo, não conseguiu manter suas operações. Na sexta-feira, o governo holandês tomou o controle das operações do banco no país, e tarde na noite do domingo o governo belga intercedeu para conseguir que o banco francês BNP-Paribas assumisse o controle do que restava da companhia.
Em Berlim, o governo organizou uma semana atrás um empréstimos de 35 bilhões de euros ao Hypo por grandes bancos do país, mas a transação fracassou quando os bancos concluíram que seria necessário mais dinheiro. Na noite de domingo, o governo anunciou que um pacote de 50 bilhões de euros havia sido organizado, com participação das autoridades e de outros bancos.
A crise de crédito começou nos Estados Unidos, fato que levou muitos políticos europeus a alegar superioridade por parte dos sistemas financeiros de seu país, em contraste com aquilo que o primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi designou "capitalismo especulativo" dos Estados Unidos. No sábado, o primeiro-ministro britânico Gordon Brown, declarou que a crise "veio dos Estados Unidos", e Berlusconi lamentou a falta de ética empresarial que a crise expôs.
Muitos dos problemas dos bancos europeus derivam de maus empréstimos feitos na Europa, e o Fortis se envolveu em problemas em parte ao tomar dinheiro emprestado para realizar uma grande aquisição. Bancos europeus informaram que a necessidade adicional de fundos do Hypo estava relacionada a garantias que a instituição concedeu a títulos municipais norte-americanos vendidos a investidores.
As preocupações do mercado de crédito vêm se somar à preocupação quanto ao crescimento econômico na Europa e nos Estados Unidos. Muitos economistas acreditam que já existam recessões em ambas as áreas, e o mesmo também pode valer para o Japão, onde o jornal Nikkei reportou na segunda-feira que uma pesquisa entre executivos do país constatou que 94% deles acreditavam que a economia estivesse se deteriorando.
"A menos que exista um relaxamento concreto das condições de crédito", disse Bob Elliott, da Bridgewater Associates, uma empresa norte-americana de administração de fundos, depois do anúncio dos números quanto ao desempenho do varejo, "é improvável que a demanda retorne em curto prazo".
Quase despercebido em função da aprovação do pacote de resgate financeiro de US$ 700 bilhões pelo Congresso norte-americano, os legisladores também aprovaram US$ 25 bilhões em empréstimos às montadoras de automóveis do país, que enfrentam dificuldades. As montadoras de automóveis da Europa anunciaram que solicitariam assistência semelhante à Comissão Européia.
Henry Paulson, o secretário do Tesouro norte-americano, esperava que a aprovação do resgate em seu país, que envolve aquisição de títulos aos bancos por valor superior ao seu atual preço de mercado, liberaria crédito ao tornar mais dinheiro disponível para que os bancos concedam empréstimos, e ao reassegurar os participantes dos mercados de crédito.
Mas isso não aconteceu na semana passada. Em lugar disso, o crédito se tornou mais caro e mais difícil de obter, e os investidores passaram a hesitar ainda mais quanto à compra de commercial papers, essencialmente empréstimos de curto prazo a empresas. As taxas de juros sobre esses empréstimos subiram tão rápido que havia quem temesse que o mercado poderia fechar, em termos práticos, o que deixaria aos bancos, já distendidos, a tarefa de fornecer empréstimos de curto prazo a empresas.
A Altria, holding que controla a fabricante de cigarros Philip Morris, disse que os bancos queriam que ela adiasse sua aquisição da UST, outra companhia de tabaco, em uma transação de US$ 10,3 bilhões, até 2009, mas prometeu que concluiria o negócio este ano.
A necessidade de que a Europa se apresse é devida em parte ao legado da decisão de estabelecer o euro, usado hoje por 15 países como moeda unificada, mas sem criar um sistema paralelo de regulamentação fiscalização transnacional dos bancos privados.
"Primeiro tivemos a integração econômica, e em seguida a integração monetária", disse Sylvester Eijffinger, membro do painel de consultoria monetária do Parlamento Europeu. "Mas jamais desenvolvemos a integração política e regulatória paralela que nos permitiria enfrentar uma crise como a atual", acrescentou.
Em Bruxelas, Daniel Gros, diretor do Centro de Estudos Políticos europeus, concorda. "Talvez o choque os leve a pensar mais em termos estratégicos, em lugar de correr atrás dos acontecimentos", ele afirmou. "Quanto mais tarde se age, maior o preço".
Embora o BCE tenha poderes sobre as taxas de juros e a política monetárias mais ampla, não tem poderes de fiscalização sobre os bancos privados, o que deixa essa tarefa a dezenas de agências diferentes de fiscalização espalhadas pelo continente.
O sistema improvisado inclui bancos centrais nacionais em cada um dos 15 membros da zona do euro que continuam a reter poderes amplos nos limites de seus países, o que complica ainda mais a solução regional de problemas.
A paisagem econômica européia atual se assemelha pouco à dos anos 90, quando as bases euro foram estabelecidas. Então, aponta Pisani-Ferry, poucos bancos europeus tinham operações transnacionais em escala significativa.
Foi uma onda de fusões na década passada que criou gigantes como o HSBC e o Deutsche Bank, que operam em múltiplos países e continentes e apresentam grande exposição ao mercado dos Estados Unidos.
"A paisagem bancária européia se transformou, nos últimos anos", disse Pisani-Ferry. "Quando o euro foi lançado, a questão da regulamentação transnacional não era relevante".
Os otimistas dizem que um potencial benefício de longo prazo que o tumulto atual pode gerar está relacionado ao fato de que muitas vezes é necessária uma crise para promover novos avanços na integração européia.
"O progresso na Europa em geral resulta de crises", disse Eijffinger. "E podemos estar vivendo um desses raros momentos na história da União Européia".

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