Com Ciência / Luciano Valente
22/11/2007
A reforma tributária, debatida há anos e tida como uma necessidade para impulsionar o crescimento do país, voltou a estar em pauta devido às discussões sobre a renovação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). O presidente Lula, em programa de rádio Café com o Presidente chegou a afirmar que a maior dificuldade da reforma é conciliar os diferentes interesses da União, dos estados e municípios, mas que o texto está quase pronto. “Nós precisamos abrir mão das nossas propostas individuais e construir uma proposta consensual para o país. Estamos perto e vamos mandar logo para o Congresso Nacional”, declarou o presidente.
A reforma tributária tem como objetivo simplificar a cobrança de impostos em âmbito federal, estadual e municipal. Os impostos como o PIS, Cofins, IPI, Cide Combustíveis, ICMS e ISS dariam lugar a apenas três: o Imposto de Valor Agregado Federal (IVA Federal), o Imposto de Valor Agregado Estadual (IVA Estadual) e o Imposto sobre Vendas e Varejo, na esfera municipal.
O atual modelo fiscal é tido como insustentável para o setor produtivo, pois é complexo e cumulativo, gerando o chamado ‘efeito cascata’, ou seja, o imposto é cobrado repetidamente nos vários elos da cadeia produtiva. Além disso, leva à conhecida guerra fiscal, mecanismo que permite aos estados e municípios modificar as alíquotas de seus tributos para atrair empresas e investidores. De acordo com o professor Francisco Lopreato, do Instituto de Economia da Unicamp, o sistema tributário brasileiro tem sua origem no Código Tributário Nacional de 1965 e, desde então, vem sofrendo emendas e leis para adaptá-lo às mudanças econômicas. “Todos esses ajustes criaram uma deturpação muito forte e, o sistema precisa ser revisto”, afirma.
A idéia de unificação dos tributos é considerada boa por Lopreato. Ele explica que um imposto de valor agregado elimina o ‘efeito cascata’, pois possui um sistema de créditos que funciona da seguinte maneira: quando uma empresa vende matéria-prima a uma outra, ela paga o imposto. No momento que esta segunda empresa agrega valor ao produto pronto (através da produção) e o revende, ela usa o valor pago pela primeira empresa como crédito dedutível do valor de seu imposto, recolhendo apenas proporcionalmente ao que ela adicionou. Atualmente, o ICMS estadual funciona desta maneira.
“Em princípio, o IVA é positivo, pois expande este conceito do valor agregado a outros tributos. O risco que temos é o de na unificação, optarmos pelas alíquotas praticadas mais altas e criar um imposto único muito alto”, pondera o economista. Esta é uma possibilidade que afetaria o setor produtivo. O problema é que como existem diversas alíquotas, os estados que praticam as mais altas, irão pressionar para a unificação nestes valores, para não perderem arrecadação. “A harmonização dos diversos interesses é o maior desafio”, conclui Lopreato.
Um ponto polêmico da unificação das alíquotas é a perda de espaço dos governos estaduais, pois eles não poderiam definir a sua estrutura tributária. Lopreato defende que na reforma tributária seja discutida também a distribuição dos impostos. Atualmente, grande parte das verbas municipais passa diretamente do governo federal para os municípios. “Isso é um problema grave, pois os estados estão perdendo poder, mas eles é que conhecem melhor as necessidades de cada cidade”, afirma.
Ao perder a possibilidade de determinar as alíquotas de seus impostos, os estados também ficarão impossibilitados de fazer a ‘guerra fiscal’ para atrair novas empresas. Entretanto, para o pesquisador da Unicamp, essa política de incentivos existe por causa da inexistência de uma política nacional de desenvolvimento industrial regional, que se mostra necessária. A guerra fiscal, segundo ele, faz com que os estados concedam incentivos de maneira desorganizada e, muitas vezes, nem obtenham benefícios muito grandes.
Outra grande discussão é a proposta da tributação dos impostos no destino da mercadoria, ao contrário do que ocorre atualmente, em que o imposto incide na origem. Os estados essencialmente exportadores de bens industrializados, como São Paulo e Amazonas, perderão receita. Internacionalmente, a tributação é feita no destino. Lopreato diz que para São Paulo o prejuízo será menor, já que o estado produz muito, mas também consome bastante. No Amazonas, devido aos incentivos da Zona Franca de Manaus, a diferença entre o consumo e a produção é extrema, e por isso, segundo Lopreato, essa questão necessitará atenção especial.
O economista da Unicamp defende um modelo de distribuição da arrecadação per capita, um sistema de transferências vertical entre a união, os estados e os municípios, e horizontal, entre os estados e municípios, considerando a população. “Isso precisa ser estudado; se você analisar as diferenças entre cidades muito próximas, como na região metropolitana de Campinas, em que se tem Paulínia com um recurso per capita dez vezes maior do que as outras, verá que é preciso mudar isso e distribuir os recursos de uma forma mais uniforme”.
Recentemente, foram implantadas algumas mudanças como a integração de cadastros estaduais, a nota fiscal eletrônica e o Sistema Público de Escrituração Digital (SPED), que estão contribuindo para a redução de custos com fiscalização, por parte dos governos, e para a queda dos custos empresariais com as áreas tributárias. Isto, aliado ao crescimento da economia, está também fazendo com que o Brasil tenha tido sucessivos recordes de arrecadação.
Lopreato entende que a atual discussão sobre a prorrogação da CPMF até 2011 deve ser feita dentro do contexto do sistema tributário como um todo. Entretanto, segundo ele, os desafios da reforma são enormes, e atingir um consenso será muito difícil.